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  • Um conto (verdadeiro) de Natal

Saí de casa para algumas compras de Natal. Estava um pouco distraído preparando, mentalmente, o melhor roteiro, quando cruzo com um homem cujo rosto me é familiar, mas não recordo, e evito cumprimentá-lo inicialmente…

Ocorreu no sábado, 22 de dezembro de 2007 .

Saí de casa para algumas compras de Natal. Estava um pouco distraído preparando, mentalmente, o melhor roteiro, quando cruzo com um homem cujo rosto me é familiar, mas não recordo, e evito cumprimentá-lo inicialmente.

Ele porém, toma iniciativa:

- Olá, como vai? Tudo bem?

Nesse momento, a memória, potencialidade incrível do ser que somos, me traz à mente recordações referente àquela alma…

Na época em que tínhamos duas horas para o almoço, colaborava, todas as quintas-feiras numa Instituição, em minha cidade (Santos/SP), que servia almoço (na época: sopa) para as pessoas que batiam às suas portas procurando por alimentação… (por ser litorânea e próxima à São Paulo, capital, nossa cidade atrai muitos “moradores de rua”).

Ali estavam os chamados mendigos, aposentados, ex-detentos, famílias de baixa renda dos cortiços de Santos, drogados, idosos sem família, doentes…representando o lado, nada feliz da Humanidade.

Ali, a mensagem do aniversariante do Natal era lida e comentada em 15 minutos para todos. Fazia-se uma oração e todos seguiam para o almoço.

Algumas poucas vezes almocei com eles. Nem sempre a sopa, reconheço, estava com um bom sabor. Era difícil preparar diariamente, de domingo a domingo, alimentação para duzentos, trezentos pratos. Os pães eram recolhidos das sobras das padarias da cidade. Hoje os pães ofertados são frescos e feitos numa padaria da própria Instituição.

Entre tantos, naquela época, que conheci o Carlos, ou Carlinhos. Um homem baixo, franzino, educado que conversava com fala mansa e uma tranqüilidade de dar inveja. Não tinha a aparência comprometida por vícios, nem os trajes sujos da maioria. Mas “morava” e dormia na rua. Passava por ali (no “Prato de Sopa” ) períodos e sumia. Dizia ser garçom, e quando conseguia um bico, dava para alugar uma vaga para dormir e comer no trabalho, o que para ele já era uma mudança radical.

Houve um tempo em que também, junto com alunos de uma escola da cidade, todas as quartas-feiras, entregávamos, à noite, pequenos lanches para pessoas que encontrávamos dormindo nas ruas. E perto dos armazéns da Avenida Rodrigues Alves, próximo ao escritório da CODESP, no Macuco, encontrávamos Carlinhos com sua calma e respeito costumeiros.

Carlinhos tinha um amigo, Sr. Sérgio, um Sr., também educado, que hoje reside na parte dos fundos de um posto de gasolina próximo ao colégio Liceu São Paulo, no bairro do Centro Espírita que trabalho hoje.

Houve uma época em que Carlinhos estava mais abatido, havia pedido para mim um uniforme de garçom, porque, se não me engano, a sua roupa havia sido roubada. Minha mãe com outra senhora que fazia entrega dos lanches, conseguiram no brechó da Instituição a roupa (calça preta e camisa branca) que ele pedira.

Tudo isso passou como um relâmpago e pude recordar quem era o homem, que próximo a minha residência, me cumprimentara com certa alegria. Era Carlinhos.

- Então, amigo – disse ele – minha vida mudou tanto, que, olha, eu nem sei como te explicar. Eu conheci uma senhora, com duas filhas e nós estamos juntos. Eu moro aqui no conjunto Jaú (canal 5), tenho um negócio na Praia Grande (cidade vizinha) e estou com uma caminhonete. Sabe o que eu queria te perguntar? Eu tirei o CPF, mas não chegou. Já fui 6 (seis) vezes ao Banco do Brasil, 4 (quatro) na Receita e só me mandam aguardar (um publicano como eu, sempre ouve essas reclamações – risos). E eu estou tirando a minha Carteira de Habilitação e preciso dele…

E mandei o Carlinhos me procurar, ainda meio tonto, também pela volta que sua vida havia dado, para melhor…

Creio que esse havia sido meu presente de Natal mais significativo neste ano… dia 22 de dezembro.

Vizinhos dessa Instituição que serve almoço fizeram vários abaixo-assinados para terminar com o serviço de servir alimentação às pessoas.

Um Secretário da Prefeitura de Santos, recentemente, em entrevista no Mural do Centro (jornal que circula aqui no bairro central da cidade), disse que pessoas que fornecem alimentos nas ruas atrapalham o serviço da Prefeitura. (!?!?!?!)

Reconheço que a educação seja a forma mais eficiente de mudarmos o panorama individual e coletivo nos dias atuais, mas e quando os programas educacionais e as oportunidades de trabalham não chegam logo? E quando o problema é a fome, a doença, o vício, a solidão, a desesperança, e as ações planejadas estão a quilômetros ou a dias de distância?

Aprendemos com o aniversariante do Natal:

Mateus 25:35 - porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes;

Mateus 25:36 - estava nu, e me vestistes; adoeci, e me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me;

Mateus 25:40 - E responder-lhes-á o Rei: Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes.

Estou tentando aprender há anos essa forma espontânea e eficiente de oferecer ajuda no momento próprio e nas condições possíveis, até que planos melhores se estabeleçam.

Quando estiver em família, na Ceia do ANO NOVO, vou lembrar que muitos amigos estiveram pelas ruas, no Natal sem Fome, do inesquecível Betinho, e em tantas outras ações, na esperança de sustentarem uma legião de Carlinhos que logo ali adiante encontrarão um FELIZ NATAL e UM ANO NOVO de um NOVO TEMPO, de uma NOVA ERA.