A parábola do banquete nupcial ou do festim das bodas (Mt 22:1-14) foi bem explorada por Kardec em seu sentido profundo. Para a “festa” no Reino dos Céus, “onde tudo é alegria e felicidade”, todos somos convidados, contudo temos a liberdade de aceitar ou não esse convite, de priorizar ou não os bens espirituais sobre os materiais. Entretanto, um elemento recebe destaque ao final do texto: a túnica ou veste nupcial. Necessário à participação no banquete, vestir essa túnica, segundo o Codificador, significa “ter pureza de coração e praticar a lei segundo o espírito”.1 Afinal, a conquista da felicidade deriva da consciência tranquila, oriunda apenas da sincera prática da caridade.
O interessante é que, em outros textos bíblicos, o uso de vestes apropriadas também é associado à elevação ou pureza espiritual e à proximidade com Deus. Já nas tradições sobre Moisés, bíblicas e extrabíblicas, podemos encontrar referências sobre a questão nas descrições de seus “contatos” com Deus e o mundo celestial, por exemplo quando sobe a montanha para receber as Leis Divinas.2 Uma breve referência à troca (ou retirada) de vestes aparece em seu diálogo com a “sarça ardente”, quando é ordenado a retirar “as sandálias dos pés porque o lugar em que estás é uma terra santa” (Ex 3:5). Outro texto que pode ser identificado como precursor dessas tradições é o de Zc 3:3-5, quando Josué, diante de um anjo, é convidado a trocar suas “roupas sujas” por “vestes luxuosas”. Já no Novo Testamento, vamos encontrar relações semelhantes no Apocalipse de João, como em “elas andarão comigo vestidas de branco, pois são dignas” (3:4), “estes são os que vêm da grande tribulação: lavaram suas vestes e alvejaram-nas no sangue do Cordeiro” (17:14) e “felizes os que lavam suas vestes para terem poder sobre a árvore da Vida e para entrarem na Cidade pelas portas” (22:14). Também o relato da transfiguração de Jesus, quando “seu rosto resplandeceu como o sol e as suas vestes tornaram-se alvas como a luz” (Mt 17:2) vai na mesma direção. Por fim, Paulo também faz associação semelhante em 2Cor 5:1-4, quando nos fala de “tendas”, “moradas” e “vestes” na descrição de condições espirituais. Todavia, boa parte da exegese tradicional e das reflexões teológicas sobre os textos acima vê essas transformações apenas em termos éticos e morais. Porém, a partir de comparações com textos não canônicos do período e anteriores, apócrifos e pseudoepígrafos, alguns entendimentos já apontam para uma compreensão mais literal dessas experiências, ou seja, referente a uma efetiva modificação corporal de seus personagens. 3 Essas abordagens se aproximam das descrições do que nós espíritas denominamos perispírito.
O estudo acadêmico de documentos não canônicos, do Novo e do Antigo Testamentos, tem recebido mais ênfase nas últimas décadas, 4 pois são fontes de informação sobre o judaísmo antigo e portadores de visões sobre Jesus, os primeiros cristãos e sua forma de pensar. Naturalmente, importante é o cuidado com anacronismos e expectativas pessoais sobre os textos. Ainda que identifiquemos analogias entre concepções desses registros e a espírita, como vamos mostrar, não pretendemos defender uma unidade de pensamento, dada a distância cultural e temporal entre essas tradições religiosas. Afinal, mesmo com familiaridade com as línguas originais e os textos bíblicos, ao lidar com esse material “enfrentamos a barreira de estranhos padrões de pensamento e modos de expressão” que não são os nossos. 5 Se podemos identificar semelhanças com os entendimentos espíritas posteriores, é importante frisar que o pensamento dos autores desses textos foi construído sobre ideias já presentes em seu contexto cultural, modificadas a partir de suas próprias experiências visionárias. Quanto a Paulo, podemos identificá-lo como “um apocalíptico judaico do primeiro século, e como tal era também um místico”, 6 logo compartilhava desses entendimentos religiosos da época, descritos em documentos, em geral, judaicos e não canônicos. 7 Ademais, boa parte do pensamento e dos textos cristãos originários denuncia uma visão apocalíptica, 8 que detalharemos à frente.
Encontrados em cavernas, esses documentos judaicos, geralmente escritos nos séculos II e I a.C., foram populares entre judeus da Diáspora e cristãos de fala grega, 9 considerados por alguns eruditos cristãos da Antiguidade até mesmo como “inspirados ou escriturais”. Todavia, apenas no século XVIII foram publicados em latim de forma organizada, com primeira edição incompleta em inglês só em 1913. 10 A expressão “apócrifos”, do grego para “livros secretos” ou “ocultos”, foi empregada já por São Jerônimo para se referir a livros ou trechos não encontrados na Bíblia Hebraica, mas incluídos na tradução grega, a Septuaginta, feita entre os séculos III e I a.C. 11 Alguns seriam incluídos nas bíblias cristãs. Já os pseudoepígrafos, possivelmente escritos também nos séculos II e I a.C., são livros redigidos sob um nome fictício, ou seja, cuja autoria é atribuída a um personagem da tradição judaica, 12 como também ocorre com o livro canônico de Daniel. Importante é salientar que, como veremos, datações mais tardias têm sido propostas, ainda que reflitam tradições de séculos anteriores.
Em alguns desses textos foram observados elementos comuns, que os categorizam como “apocalípticos”, como apontamos. A expressão “apocalipse” (em grego, “revelação”, “descoberta”) 13 refere-se basicamente a textos revelatórios, comuns entre 200 a.C. e 300 d.C. entre cristãos, judeus e outros povos. 14 Em outros artigos que publicamos nessa revista, 15 apresentamos mais detalhes sobre esse tipo de texto. Entre os textos judaicos, são apocalípticas algumas seções de 4 Esdras, 2 Baruc, Apocalipse de Abraão, 3 Baruc, 1 Enoque, 2 Enoque, Testamento de Levi, Apocalipse de Sofonias, Jubileus, Testamento de Abraão, Ascensão de Isaías, entre outros. Entretanto, esse gênero literário não foi bem aceito no cânone judaico: apenas o livro de Daniel foi incluído na Bíblia Hebraica, na terceira parte, entre os Escritos. 16 Enfim, ainda que não haja consenso, é possível definir apocalipse
como um gênero de literatura revelatória com estrutura narrativa, no qual a revelação a um receptor humano é mediada por um ser sobrenatural, desvendando uma realidade transcendente que tanto é temporal, na medida em que vislumbra salvação escatológica, quanto espacial, na medida em que envolve outro mundo, sobrenatural. 17
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