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Uma noite destas, eu sonhei que estava no futuro e, como espírita, me preocupava em saber como andava o nosso movimento. Surpreendi-me ao ver algumas mudanças modernas que me deixaram, a princípio, animado. Observei que havia muito mais revistas e programas de TV que tratavam do Espiritismo, e muito mais centros espíritas…

Uma noite destas, eu sonhei que estava no futuro e, como espírita, me preocupava em saber como andava o nosso movimento. Surpreendi-me ao ver algumas mudanças modernas que me deixaram, a princípio, animado. Observei que havia muito mais revistas e programas de TV que tratavam do Espiritismo, e muito mais centros espíritas.

Em minha cidade, o número de instituições havia triplicado. As livrarias estavam ainda mais cheias de livros espíritas. Abri algum, aleatoriamente, de uma editora nova, e me deparei com três erros graves de ortografia e concordância verbal. “Mas, que coisa…”, pensei eu.

Segui minhas observações e vi que, nos carros, havia adesivos do tipo “Eu Amo o Espiritismo”; “Espiritismo – Entre Nesta Onda”, entre outros. Tinha-se criado até uma logomarca registrada para associar imediatamente a imagem à Doutrina – era o Espiritismo Pop®.

Liguei a TV e assisti a médiuns que faziam programas de variedades e a alguns comerciais de centros espíritas; em um deles, aparecia uma família feliz e a locução dizia: “Quer ter uma família feliz e livre de obsessão? Venha para o Centro Espírita Caminho da Espiritualidade”.

Resolvi, no meu sonho, passar pelo tal centro espírita e, lá chegando, havia, dentre outros produtos, um drive thru , onde você entrava com seu carro e recebia um passe e água fluidificada. O centro tinha suvenires para vender, como camisas, broches, chaveiros, adesivos, canecas, água fluidificada em spray e tudo, com a imagem de grandes vultos espíritas ou com a tal logomarca. Havia até uns bonequinhos do Chico Xavier que balançavam a cabeça, e me disse a secretária em voz baixa: – Dizem que estes trazem muita sorte e dinheiro!

Em todas as partes, via coisas com temas espíritas, e o presidente do centro me falava com empolgação: – Meu irmão, estamos no mundo de regeneração, o Espiritismo está na moda e veio pra ficar! Que bom que estamos nos meios midiáticos, isso é bom para a Doutrina!

A juventude do centro já havia feito um CD de heavy metal espírita, além de outro de pagode espírita e um terceiro de forró espírita. “O Espiritismo adequou-se à modernidade”, diziam os jovens, empolgados.

No meu sonho, eu buscava as obras de Allan Kardec e me via afogando-me em uma inundação de livros fininhos de capas coloridas, que adotavam gírias e hábitos da moda; enquanto agonizava, via flashes da vida dos personagens do meu sonho e percebi que eles continuavam com os mesmos vícios e paixões. Amavam o Espiritismo como quem ama seu time de futebol ou escola de samba, sem que isso mudasse em nada suas posturas. A palavra REGENERAÇÃO começou a distorcer-se em minha vista, era como se estivesse míope, para em seguida transformar-se na palavra DEGENERAÇÃO.

Acordei, ofegante! Graças a Deus, era só um pesadelo! Refleti sobre como era importante usar os meios de divulgação disponíveis para propagar o Espiritismo. Ao mesmo tempo, é ainda mais importante não perder os fins pelos meios. Na ânsia de “modernizar” a Doutrina, corremos o risco de comprometer sua essência. Podemos achar que estamos usando os meios midiáticos para difundi-lo, quando na verdade estamos sendo usados pela mídia, que explora tudo o que possa ser lucrativo. Há um canto da sereia que busca seduzir o movimento espírita, atraído pela glória dos aplausos do mundo no palco das ilusões terrestres. A Sereia diz: – Te darei todos os reinos da Terra e a glória deles se você se curvar diante de mim. Esta cena me lembra outra, onde Jesus respondia: – Retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto. (Mateus – 4:10). É aquela pontinha de vaidade que ninguém admite; é a busca pelos nossos “15 minutos de fama” que nos faz querer dar este mesmo tipo de fama ao Espiritismo.

Muitos companheiros de movimento vêm a mim empolgados quando o Espiritismo está em evidência na mídia, em revistas e novelas e se decepcionam comigo diante de minha indiferença. Acreditam que o mundo está mais sensível às coisas espirituais. Para mim, são ingênuos. Não que o mundo não progrida, mas este tipo de exposição tende mais para uma exploração oportunista e proselitista, que um interesse verdadeiro por coisas verdadeiramente espirituais. Antes que nos iludamos achando que o mundo de regeneração já se estabeleceu definitivamente na Terra, olhemos para as ameaças que rodam a nossa Doutrina e que podem lançá-la aos lobos através de distorções e situações ridículas. Uns dizem: “Não há um mal que não traga um bem; se é assim, é porque Deus permite”. É verdade que não há mal que não possa resultar em proveito positivo, mas no Espiritismo aprendemos que não existe mal necessário, que temos escolhas e que seremos responsáveis por estas escolhas. Léon Denis profetizou que o Espiritismo será o que fizermos dele, e esta é a grande pergunta: – O que estamos fazendo da Doutrina?

Foi carnaval. Liguei a TV, vi um carro alegórico com uma caricatura de Chico Xavier… “É um déjà vu ?”, me perguntei, ensimesmado. Saí pela rua… Numa livraria, abri um livrinho colorido que se dizia espírita, e de cara havia três erros graves de ortografia, além de uma porção de bobagens anti-doutrinárias. Será que estou de volta ao pesadelo ou ele está só começando?

Espero que todos acordem a tempo! Abri O Evangelho segundo o Espiritismo , capítulo VII, Os Pobres de Espírito, de forma aleatória, e li algo destinado a todos nós, crianças desejosas da alegria dos espetáculos do mundo:

“E tu, donzela, pobre criança lançada ao trabalho, às privações, por que esses tristes pensamentos? Por que choras? Dirige a Deus, piedoso e sereno, o teu olhar: ele dá alimento aos passarinhos; tem-lhe confiança: ele não te abandonará. O ruído das festas, dos prazeres do mundo, faz bater-te o coração; também desejaras adornar de flores os teus cabelos e misturar-te com os venturosos da Terra. Dizes de ti para contigo que, como essas mulheres que vês passar, despreocupadas e risonhas, também poderias ser rica. Oh! caia-te, criança! Se soubesses quantas lágrimas e dores inomináveis se ocultam sob esses vestidos recamados, quantos soluços são abafados pelos sons dessa orquestra rumorosa, preferirias o teu humilde retiro e a tua pobreza”.