Em “O Livro dos Espíritos” o codificador Allan Kardec recebe uma resposta concisa e muito clara dos Espíritos ao seu questionamento de número 625: Jesus é o “tipo mais perfeito que Deus já ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo”.
Sendo Jesus modelo e guia, onde encontramos os melhores exemplos deixados por ele? No Novo Testamento, é claro. E nós, lemos, estudamos e compreendemos o Novo Testamento?
É fato que, desde a antiguidade, personalidades históricas como Orígenes (185 a 254) e Santo Agostinho (354-430) admitiram a existência de um contexto simbólico ou alegórico em vários textos bíblicos. Para Santo Agostinho, havia um sentido muito mais espiritual que literal.
Foi com a Idade Média que a leitura literal ganhou força com o objetivo de impedir entendimentos pessoais ou arbitrários.
Ao defender a valorização da razão em detrimento da fé como forma de compreender o mundo e os fenômenos da natureza, o Iluminismo provocou uma reviravolta nos estudos bíblicos uma vez que a análise dos textos passou a vir acompanhada de questionamentos. A metodologia filosófica do questionamento sistemático passou a substituir o tradicionalismo.
A Reforma Protestante de Lutero foi um evento no período que promoveu uma avaliação crítica, ainda que dentro de um contexto teológico.
E, dentro desta nova forma de pensar, uma ciência histórica começou a florescer no interior das próprias igrejas. Estudiosos passaram a entender a pesquisa como uma contribuição ao entendimento mais aprofundado da Bíblia.
Erguida no alicerce das leis universais, o Espiritismo, chegou neste momento: em que as conquistas humanas revelavam maior discernimento para implementação da fé raciocinada.
“É tarefa sem êxito querer compreender o Evangelho somente pelo sentido literal. É preciso captar-lhe a essência, o seu significado espiritual e atemporal, tal como propõe a Doutrina Espírita. A palavra de Jesus submetida às lentes espíritas se desdobra em cada lance, de modo simples e natural, favorecendo melhor e mais amplo entendimento.” 1
“A mensagem do Cristo precisa ser conhecida, meditada, sentida e vivida”. A reflexão é de Alcíone, no livro “Renúncia”. 2
O que a reflexão nos orienta é que o Evangelho do Cristo nos oferece uma riqueza inesgotável de aprendizados, mas para alcança-los precisamos ir em busca do conhecimento que nos ajude a entender os fatos associados, precisamos questionar à luz dos princípios da Doutrina Espírita como lemos o que extraímos de aprendizado, examinar sobre como nos sentimos e agimos em situações semelhantes e nos transformar vivenciando o Evangelho. É claro que apenas uma existência reencarnatória é insuficiente para aprendermos as lições que Jesus nos legou e diversas outras necessárias para vivenciarmos. Mas, seu estudo é uma enorme oportunidade de aprendizado para nossa transformação moral.
Para nos auxiliar neste processo, temos diversos autores espirituais como Emmanuel e Amélia Rodrigues, e encarnados como Cairbar Schutel, Eliseu Rigonatti, Martins Peralva, Honório Abreu, Rodolfo Calligaris, Richard Simonetti, entre outros (hoje todos no plano Espiritual), que se esforçaram muito em nos trazer os ensinamentos de Jesus à luz da Doutrina Espírita - os postulados espíritas oferecem subsídios para um maior entendimento da Mensagem do Cristo e muito nos auxiliam no entendimento da mensagem.
Há grupos de estudos importantíssimos no Brasil e em outros países que buscam compartilhar aprendizados, reflexões e conhecimentos acerca do Novo Testamento, muitas vezes revisitando o Antigo Testamento uma vez que Jesus deixou claro em Mateus 5: 17-18: “Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revoga-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado”. 3
No Brasil, desde 2007 a União Espírita Mineira divulga o “Estudo Minucioso do Evangelho de Jesus” (EMEJ/Miudinho). Temos, também, “O Evangelho Redivivo” organizado e divulgado pela Federação Espírita Brasileira com a participação e auxílio de diversas Federativas e Centros Espíritas do Brasil e no exterior, também disponível no formato digital no Youtube 4. Os livros organizados para estes estudos podem ser comprados ou baixados em formato digital. 5
Há um grupo enorme de envolvidos empenhados em organizar em estudos a mensagem de Jesus, com o “amor, apoio e auxílio dos benfeitores espirituais que agem em nome do Cristo de Deus (…) cabendo-nos, apenas seguir sem medo o sábio conselho do Espírito Erasto ‘Arme-se a vossa falange de decisão e coragem! Mãos à obra! O arado está pronto; a terra espera; é preciso que trabalheis’.” 6
Apesar de todo este esforço, encontra-se, ainda, dentro do meio espírita, muita resistência em ‘conhecer, meditar, sentir e viver’ a mensagem do Cristo. Espíritas não compreendem a necessidade de estudar o Novo Testamento. Manifestações do tipo ‘é preciso um conhecimento extraordinário para isto’, ‘eu não tenho capacidade de entender a bíblia’, entre outras, são utilizadas como justificativa para não se aproximar da mensagem.
Emmanuel, no livro Pão Nosso, reflete profundamente sobre isto: “Fala-se em Deus, em fé e em espiritualidade qual se respirassem na estranha atmosfera de escuro pesadelo. Sacudidas pela corrente incessante do rio da vida, rolam no turbilhão dos acontecimentos, enceguecidas, dormentes e semimortas até que despertem e se levantem, pelo esforço pessoal, a fim de que o Cristo as esclareça.” 7
Em outras palavras o benfeitor nos questiona: e nós, até quando permaneceremos cegos e dormentes, pela inércia e pelo desculpismo, resistindo ao esclarecimento de Jesus?
De nada adianta nos chocarmos com textos das mais diversas religiões que desvirtuam os princípios base da Doutrina Espírita se nós, os próprios espíritas, não nos esforçamos em buscar Jesus? Por quantas vezes nos limitamos a receber obras prontas e repetirmos intelectualmente parágrafos e citações sem sentir e vivenciar a mensagem de amor do Cristo?
Esta semana a autora que escreve este texto se deparou com a publicação de um frei católico que se baseou em uma frase extraída de uma coluna da Revista Reformador de Janeiro de 1953, na página 23. A autora da coluna, era espírita e retratava ali a sua opinião pessoal. Foi suficiente para que, infelizmente, se generalizasse e questionasse o fato de que os espíritas rechaçam a Bíblia, se limitando ao livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo”.
De nada adianta questionarmos textos como o deste frei e tantas outras publicações dos mais diversos segmentos religiosos e filosóficos, acerca da Doutrina Espírita se, de fato, nós, espíritas, somos resistentes ao estudo do Novo Testamento e ao entendimento da Bíblia.
Como podemos nos tornar a “Pátria do Evangelho” 8 como nos convida Emmanuel, se não o compreendemos e sequer lemos?
A Doutrina Espírita é cristã e se baseia no ensino moral de Jesus. Como se declarar Espírita e não buscar o evangelho de Jesus?
Curso de Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita. Livro III: Ensinos e Parábolas de Jesus - Parte 2: orientações espíritas e sugestões didático-pedagógicas direcionadas ao estudo do Espiritismo. Primeira Edição. Brasília [DF]: Federação Espírita Brasileira, 2010. ↩︎
XAVIER, F.C. Renúncia. Emmanuel. 36º edição. Federação Espírita Brasileira, 2019. ↩︎
Bíblia de Jerusalém. Nova ed. rev. ampl. Diversos tradutores. São Paulo: Paulus, 2016. ↩︎
Playlist do estudo “O Evangelho Redivivo” - consultada em 11/03/2024 às 12h40. ↩︎
Livros do estudo “O Evangelho Redivivo” disponibilizados pela Federação Espírita Brasileira – consultado em 11/03/2024 às 13h40. ↩︎
MOURA, Marta Antunes de Oliveria (Org.). O Evangelho Redivivo: introdução ao estudo de O Evangelho Redivivo. 1. ed. 2 impr. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2019. ↩︎
XAVIER, F.C. Pão Nosso. Emmanuel. Mensagem 68 Necessário acordar. 30º ed. 11 impr. Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2022. ↩︎
XAVIER, F.C. Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Emmanuel. 13ºed. Federação Espírita Brasileira, 1982. ↩︎