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  • Um grito em Dover - mensagem mediúnica

De todas as cartas que lia para o mestre, as que mais o tocavam eram aquelas de almas doridas e chorosas. Não raras vezes, ao terminar a leitura, percebia lágrimas escorrendo pela sua fronte. Cheio de ternura, pedia-me que repetisse a leitura de trechos marcantes e pungentes. Denis possuía o dom de sentir a alma, nas suas nuances mais secretas, dos autores das missivas; compenetrado e silencioso, ouvia-me atentamente, para ao final trazer impressões outras que somente um grande mestre da psique poderia fazê-lo.

De todas as cartas que lia para o mestre, as que mais o tocavam eram aquelas de almas doridas e chorosas. Não raras vezes, ao terminar a leitura, percebia lágrimas escorrendo pela sua fronte. Cheio de ternura, pedia-me que repetisse a leitura de trechos marcantes e pungentes.

Denis possuía o dom de sentir a alma, nas suas nuances mais secretas, dos autores das missivas; compenetrado e silencioso, ouvia-me atentamente, para ao final trazer impressões outras que somente um grande mestre da psique poderia fazê-lo.

Muitas vezes, encantada com as suas ponderações, o mestre humildemente revelava que não se tratava de um dom especial e, sim, na verdade, da grande educadora da alma: a dor. Esta professora e mestra desperta sensibilidades adormecidas, de maneira que aqueles que foram iniciados na dor são capazes de entender outras almas com dores semelhantes. Somente uma mãe que perdeu um filho irá compreender outra em situação semelhante. Como um código secreto que só se revela ao seu congênere.

A morte ainda nos é misteriosa Megera. Sentencia milhares de corações ao desespero, dúvida e descrença. Por isso Denis tanto se dedicou à propagação das suas crenças. Falava, escrevia e propagandeava a doutrina da imortalidade, não por prosélito, mas pela crença profunda que tal doutrina é antídoto para muitas dores.

No período da Grande Guerra, o mestre recebeu, mensalmente, centenas de cartas, da França e do estrangeiro, revelando a dor de muitas mães que perderam seus filhos nos campos de batalha.

  • Ó, horror dos horrores, guerra, guerras! Até quando, ó humanidade, inebriar-nos-emos com o vinho rubro batizado por Marte? Deixou escapar, certa feita, das suas meditações.

Dessas cartas, tocantes tanto na forma quanto no conteúdo, recordo-me de uma em especial. Foi recebida por mim, no inverno de dezenove, vinda da Cornualha, na Inglaterra.

A remetente, a sra. Merali, revelava um carinho especial para com o mestre e, após breve intróito, escreve:

O ano de 1918 fora carregado de sombras para o meu coração, ficará marcado com a dor mais aguda que senti. Meu pequeno Ricardo, forte, valente e inteligente, fora tragado pelo monstro da guerra.

Para as mães, no período da guerra, os correios eram motivo de esperança e desespero. O que estamos carregando em nossas mãos após recebermos o correio? Saudades e notícias ou morte e desespero?

Foi assim, my Lord Denis, que meu coração recebeu o pobre carteiro em um dia triste de inverno. Segurei a carta contra o peito, e, de imediato, senti uma dúvida que se transformou em desespero. Intuí, como o relâmpago em meio a tormenta, que ali estaria o meu caudal de dores e lágrimas. Ao abri-la e dar conta do seu conteúdo soltei um grito de infinita angústia. Uma mãe não deveria receber tal notícia. Meu pobre Ricardo! Morto, morto…

Minha dor se converteu em desespero, o desespero em silêncio, e o silêncio levou-me para o país da ilusão. Afinal, eu não tinha o seu corpo para enterrá-lo e a dor infinita era combustível para os meus delírios, esperanças e fantasias. Via-o ao meu lado, sonhava que ele estava retornando e só dirigia a palavra para o meu suposto Ricardo.

Meses após a triste notícia, fui visitar minha irmã em Dover, em Kent, onde meu pobre Ricardo havia se feito engenheiro pouco antes da guerra. Em um dia chuvoso, fui caminhar na costa, meu silêncio havia se transformado em um calabouço onde eu aprisionara a minha dor e meu Ricardo. A chuva apertara e eu, apática, olhava para o Canal da Mancha, lá, do outro lado, estaria enterrado o meu Ricardo? E foi junto com o rugido do trovão que soltei meu desespero: “ Deus, por que ele?” Gritei a plenos pulmões para que a minha dor atravessasse o canal e chegasse aos campos de batalha e sangue.

Deus… Deus? Não sei mais se eu acreditava.

Sabeis, my Lord, que nunca duvidei, mas a morte de meu pequeno levou para a tumba as minhas crenças.

Chorei compulsivamente, ali, frente ao mar bravio da Mancha. Implorei por um sinal.

Alta noite voltei para a casa de minha irmã. Abatida e fraca, adquiri uma pneumonia e entre delírios e febre, certa noite, vi o meu pequeno junto ao meu leito. Pálido, mas belo; com o olhar doce e meigo, acariciava a minha face enrugada. Silencioso, apontou para a caixa de seus livros que ficara na casa de minha irmã, antes de sua partida.

Na manhã seguinte, abri a caixa, mas só havia livros e mais nada. Romances de adolescentes, romances de detetive, nada mais…

Na noite seguinte, o mesmo sonho se repetiu – seria sonho mesmo? – e, com mais força, ele apontou para a caixa.

Novamente abri a caixa dos seus livros, praticamente todos eram de um mesmo autor, Arthur Conan Doyle.

Aquilo havia me intrigado, o que ele queria me dizer? Entretanto, dias depois, indo ao mercado com minha sobrinha, passamos próximo a uma livraria, na vitrine havia um dos romances do mesmo autor, Arthur Conan Doyle. Fiquei tão encabulada que dei um grito de espanto e esperança e entrei num rompante. Pedi para ver todos os livros do autor, e, entre eles, havia um com um título curioso: “A Nova Revelação”. O livreiro, desdenhoso disse: “coisa de fantasmas…” Comprei sem pestanejar. Li com sofreguidão; após esse, li muitos outros, até que cheguei à vossa obra, “O Problema do Ser”. My Lord, não sabeis o deleite de paz e luz que me invadia a cada página. Foi como a leitura da ressurreição de Lázaro narrada por São João. Eu estava morta e a vossa obra me chamou de volta para a vida.

Em Dover, temos um pequeno grupo, onde ouvimos as pancadas e, por vezes, recebemos por possessão comunicações dos muitos que foram para o grande além. Por duas vezes, meu pequeno Ricardo se comunicou, falando com a sua ternura característica da sua nova vida.

Sim, my Lord, a vida é perene! Eu sei, eu sinto, não duvido.

*Voltei a sorrir e a sonhar. Montamos um pequeno trabalho de assistência aos desamparados de Dover, para onde me mudei em definitivo. *

Penso que logo estarei com meu pequeno Ricardo, as minhas forças me escapam, a pneumonia não se curou completamente, mas eu não temo. Afinal, a morte não me é o horror e mistério de outrora.

My Lord, envio a fotografia de Ricardo em meus braços, como um gesto de gratidão e reconhecimento. Em suas preces, lembrai de nós e, junto dos seus invisíveis, recomendai-nos.

Com sincera amizade,

Sra. Merali.

Médium: T. B. S.