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Como entender o papel do destino em situações de perigo e acidentes? Este artigo reflete sobre os ensinamentos da Doutrina Espírita, abordando como a fatalidade e o livre-arbítrio se entrelaçam em nossas vidas. A partir de uma carta intrigante a Allan Kardec e as orientações de São Luís e Emmanuel, descubra como cada Espírito, com suas escolhas, traça seu caminho e enfrenta as provas da existência.

Desencarnes coletivos: fatalidade ou destino?

“A cada um segundo as suas obras” - Jesus (Mt 16:27)

Na Revista Espírita de Março de 1858 1, um correspondente escreveu ao codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, questionando sobre um acidente que sofreu com mais 7 pessoas em um barco em alto mar. Quatro pessoas sucumbiram e quatro conseguiram se manter presos à quilha do barco até que amanheceu e, após passarem a noite encarando a inevitabilidade da morte, conseguiram “ganhar a terra a nado”. Ocorre que aquele era o 6º ou 7º evento semelhante em que o correspondente se encontrava nas mesmas circunstâncias. E, em sua carta, questionava aos Espíritos sobre seu mérito, pois não sabia se sentia-se triste por ser alguém sem utilidade ao mundo ou se comemorava em estar vivo. Ressaltou ainda que, dentre as vítimas do acidente, estavam um padre - modelo de virtudes evangélicas - e uma freira que cumpriam uma missão de caridade cristã.

Abaixo, destacamos trechos das instruções dadas por São Luís na mensagem publicada ao explicar os desencarnes em acidentes:

“O acidente está assinalado no destino do homem. Quando tua vida é posta em perigo, é uma advertência que tu mesmo desejaste, a fim de te desviares do mal e de te tornares melhor. (…) Quando um homem passa sobre uma ponte que deve cair, não é um Espírito que o leva a passar ali, é o instinto de seu destino que o conduz a ela. (..) Seja qual for o acidente, ocorre sempre naturalmente, isto é, por causas que se ligam às outras e o produzem insensivelmente. Entendo que, antes de encarnar-se, o Espírito tem conhecimento de todas as fases de sua existência; quando estas fases têm um caráter fundamental, conserva ele uma espécie de impressão em seu foro íntimo e tal impressão, despertando quando o momento se aproxima, [pode] tornar-se pressentimento.”

As orientações de São Luís encontram perfeita consonância com as respostas dadas pela Espiritualidade Superior ao codificador em “O Livro dos Espíritos” 2, no capítulo IX – Lei de Liberdade, subtítulo Fatalidade:

Na questão 853, Allan Kardec questiona sobre a fatalidade da morte. A Espiritualidade lhe responde: “Fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é. Chegado esse momento, de uma forma ou doutra, a ele não podeis furtar-vos.” Como o pesquisador que o era, Kardec insiste um pouco mais e pergunta se, independentemente do tipo de perigo, se a morte só se dá no tempo programado. E a resposta: “Não; não perecerás e tens disso milhares de exemplos. Quando, porém, soe a hora da tua partida, nada poderá impedir que partas. Deus sabe de antemão de que gênero será a morte do homem e muitas vezes seu Espírito também o sabe, por lhe ter sido isso revelado, quando escolheu tal ou qual existência.”

Vemos que a Espiritualidade se usa do termo Fatalidade e não Determinismo. Porque, apesar do planejamento realizado antes de encarnar, todo Espírito é dotado de livre-arbítrio. Ora, Determinismo enseja Destino. Sendo o Espírito dotado da capacidade de tomar decisões, como se pode prever um destino?

De forma lúdica, o Benfeitor Emmanuel 3 nos diz que a reencarnação é uma viagem de carro. Para a realização de tal, há itens que são de suma importância:

“O carro significando o corpo físico.
As companhias expressando a equipe familiar.
A estrada a percorrer.
A tarefa de base.
As obediências aos sinais.
O acatamento às ordens da guarda.
A apresentação de documentos legas.
A condução de recursos socorristas, indispensáveis à sustentação do veículo.
O pagamento de pedágio.
Os riscos naturais.”

Segundo o raciocínio de Emmanuel, nosso livre-arbítrio está na decisão de proteger e cuidar do carro, respeitar as leis de trânsito, colaborarmos com os que nos cruzam o caminho a fim de evitarmos problemas, cuidado nas ultrapassagens, apreço com as autoridades, sustento na atenção e planejamento de prováveis crises na busca por solução aos problemas que possam surgir.

Obrigações fatais e livre-arbítrio caminham juntos. Termina Emmanuel: “O Espírito jaz temporariamente submetido a deveres inevitáveis, mas dispõem de livre-arbítrio para melhorar ou comprometer qualquer situação.”

Vê-se, então, que o “destino” de uma reencarnação é traçado pelo próprio Espírito, juntamente com a equipe responsável por seu planejamento encarnatório. É o próprio Espírito quem traça para si seu gênero de provas. “Fatal” apenas o instante da morte do corpo físico. A forma do desencarne também deriva do livro-arbítrio da criatura: pode ocorrer conforme planejado, mas também pode ser apenas consequência de um conjunto de escolhas que fez.

Na Lei Divina não há efeito sem causa.

Em situações de desencarnes coletivos como ocorre em acidentes aéreos, por exemplo, não se pode crer unicamente que todos que desencarnaram na queda da aeronave estivessem, necessariamente, quitando um débito de encarnações passadas. Segundo Kardec, em “O Evangelho segundo o Espiritismo” 4, “trata-se, frequentemente, de provas escolhidas pelo Espírito para sua purificação, para acelerar seu adiantamento.”

O único Determinismo na Lei Divina é o da evolução. Cada Espírito é uma individualidade, e é pelos esforços empregados na superação de suas más inclinações – pela realização de suas obras - que cada um se submete às provações na construção íntima do Reino de Deus em si.

A benfeitora espiritual Joanna de Ângelis 5, sobre a Lei Divina, nos lembra que a Lei vigente “em todo o Universo é a de Amor, que se exterioriza de Deus mediante Sua criação. (…) Como efeito inevitável [determinismo], a inspiração superior vem trabalhando em nome dessa Lei, para que o Espírito modelo as asas para a ascensão, através de disciplinas morais e sociais, mediante as quais aprende a dominar os impulsos e racionalizá-los, para que, no futuro, consiga introjeta o sentimento profundo do amor e, mergulhado conscientemente na Lei Natural [Divina] consiga utilizar-se ascender aos planos da felicidade que almeja.”

Referências Bibliográficas:


  1. KARDEC, Allan. Revista Espírita. Ano I. Março de 1858. Mensagem: A Fatalidade e os pressentimentos. ↩︎

  2. ____________. O Livro dos Espíritos. Tradução Guillon Ribeiro. 1º ed. Brasília: FEB, 2019. ↩︎

  3. XAVIER, Francisco Cândido. Amanhece. Por Espíritos Diversos. Editora GEEM. ↩︎

  4. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001. Item 9. Cap. V. ↩︎

  5. FRANCO, Divaldo Pereira. Jesus e o Evangelho à luz da psicologia profunda. 2ºed. Bahia: LEAL, 2000 ↩︎