Anahad O’Connor
Do New York Times
Um século atrás, o cientista Karl Pearson estava estudando lápides de cemitérios quando notou algo peculiar: maridos e esposas muitas vezes morriam em um período de um ano após a morte do outro.
Embora esses tipos de estudo não fossem muito apreciados à época, eles mostram agora que o estresse e o desespero podem influenciar significativamente na saúde, especialmente a do coração.
Um dos exemplos mais marcantes é uma condição conhecida como miocardiopatia Takotsubo, ou síndrome do coração partido, em que a morte de um cônjuge, preocupações financeiras ou algum outro evento emocional enfraquece severamente o coração, causando sintomas que simulam um ataque cardíaco.
Essa carga emocional transforma o coração em uma forma que se assemelha a um pote tradicional japonês chamado Takotsubo, que tem um pescoço estreito e um fundo largo.
A ligação entre a saúde emocional e a saúde do coração é objeto de um novo livro, “Heart: a History”, escrito pelo dr. Sandeep Jauhar. Jauhar, que é cardiologista, traça a história da medicina cardiovascular e explora os seus notáveis avanços tecnológicos, desde a cirurgia aberta do coração ao coração artificial.
Mas, embora essas inovações cardíacas tenham sido transformadoras, Jauhar argumenta que o campo da cardiologia precisa dedicar mais atenção aos fatores emocionais que podem influenciar patologias no órgão, como relacionamentos infelizes, pobreza, desigualdade de renda e estresse relacionado ao trabalho.
“Acho que os avanços tecnológicos iterativos continuarão. Mas a grande fronteira vai estar na formação de recursos maiores para abordar a intersecção do coração emocional e do coração biológico”, ele disse.
O interesse de Jauhar nesse tema decorre de seu histórico familiar: doenças cardíacas mataram muitos de seus parentes. Quando jovem, ele ouviu histórias sobre seu avô paterno, que morreu subitamente aos 57 anos, depois de um encontro assustador com uma cobra negra na Índia, que lhe causou um ataque cardíaco. Ele ficou fascinado com o coração, mas também aterrorizado por ele. “Desde o começo eu tive esse medo do coração como um carrasco de homens no auge da vida”, ele disse.
Após a faculdade de medicina, ele fez especialização em cardiologia e tornou-se diretor do programa de insuficiência cardíaca no Long Island Jewish Medical Center, bem como um escritor de opinião, colaborando para o “New York Times”. Com 45 anos, Jauhar teve seu próprio problema cardíaco. Apesar de fazer exercícios regularmente e levar um estilo de vida saudável, um procedimento eletivo, chamado angiotomografia, revelou que ele tinha bloqueios nas artérias coronárias. Enquanto analisava as imagens de seu coração, Jauhar chegou a uma conclusão surpreendente.
“Sentado apaticamente naquele quarto escuro”, ele escreve, “me senti como se estivesse vislumbrando a maneira pela qual provavelmente vou morrer”.
O coração é tanto uma máquina biológica simples quanto um órgão vital que muitas culturas têm reverenciado como o locus emocional da alma. É um símbolo do romance, da tristeza, da sinceridade, do medo e mesmo da coragem, que vem da palavra latina para o coração, “cor”. Simplificando, o coração é um órgão que bombeia o sangue, fazendo-o circular.
Mas é também um mecanismo incrível. É o único órgão que consegue trabalhar de modo autônomo, batendo três bilhões de vezes no tempo de vida médio de uma pessoa, com a capacidade de esvaziar uma piscina em uma semana. É por isso que os cirurgiões não ousavam operá-lo até o final do século XIX, muito tempo depois que outros órgãos já eram operados, incluindo o cérebro.
“Você não pode suturar algo que está se movendo, e você não poderia cortá-lo porque o paciente sangraria até a morte”, disse Jauhar.
Em seu novo livro, Jauhar conta as histórias dos intrépidos médicos que foram pioneiros na cirurgia cardiovascular no fim do século 19, abrindo pacientes para habilmente reparar feridas agudas com agulhas e categute (fibra de origem animal para sutura) antes de fechá-los rapidamente para evitar uma hemorragia intensa.
Procedimentos mais complicados, no entanto, necessitavam de máquinas mais sofisticadas. Os cirurgiões precisavam de um dispositivo que poderia assumir o trabalho do coração, de modo que pudessem temporariamente parar o órgão, cortá-lo e reparar defeitos congênitos ou outros problemas crônicos.
Isso levou o dr. C. Walton Lillehei a desenvolver a circulação cruzada, um procedimento em que um paciente cardíaco é ligado a uma segunda pessoa cujo coração e pulmões poderiam bombear e oxigenar o seu sangue durante procedimentos longos. Lillehei praticou a circulação cruzada em cães antes de aplicá-la em seres humanos em 1954.
Como outros cirurgiões do coração que avançaram nesse campo com procedimentos arriscados, Lillehei enfrentou muitas críticas enquanto tentou navegar em mares desconhecidos.
“Seus críticos estavam horrorizados. Eles diziam que essa era a primeira operação na história da humanidade que poderia matar não apenas uma, mas duas pessoas”, disse Jauhar.
Alguns dos pacientes de Lillehei sobreviveram. Outros morreram em decorrência de infecções e outras complicações. Mas o trabalho que ele fez permitiu que outros desenvolvessem a máquina de desvio cardiopulmonar, que hoje é utilizada em mais de 1 milhão de operações cardíacas anualmente em todo o mundo. Desde então, os cientistas desenvolveram procedimentos que contornam ou apoiam artérias coronárias doentes abertas, bem como dispositivos cardíacos implantáveis e medicamentos cardíacos que poupam milhões de vidas por ano.
Em todo o país, a doença cardíaca ainda é a principal assassina de adultos. Mas a medicina cardiovascular cresceu por saltos e barreiras: a mortalidade depois de um ataque cardíaco diminuiu dez vezes desde o final da década de 1950. No entanto, o papel que a saúde emocional desempenha no desenvolvimento de doenças cardíacas ainda é demasiadamente subestimado, diz Jauhar.
Ele atribui isso ao estudo que foi um marco, o Framingham Heart Study, que começou em 1948 e acompanhou milhares de americanos, identificando importantes fatores de risco cardiovascular como colesterol, pressão arterial e tabagismo. Os pesquisadores do Estudo de Framingham consideraram inicialmente verificar determinantes psicossociais da doença cardíaca também, mas acabaram decidindo focar o que era mais fácil de mensurar.
“O que resultou dessa pesquisa foram os fatores de risco que agora conhecemos e tratamos, eliminando-se coisas como disfunção emocional e saúde conjugal”, disse Jauhar.
Segundo ele, isso foi um erro. Nas décadas seguintes, outros estudos demonstraram que as pessoas que se sentem socialmente isoladas ou cronicamente estressadas pelo trabalho ou por relacionamentos têm maior propensão a ataques cardíacos e derrames. Estudos sobre imigrantes japoneses nos Estados Unidos descobriram que seu risco de sofrer de doenças cardíacas se multiplica. Mas aqueles que mantêm a cultura tradicional japonesa e fortes laços sociais estão protegidos: as taxas de doenças cardíacas destes não sobem.
Jauhar argumenta que as autoridades de saúde devem listar o estresse emocional como um fator-chave de risco para doenças cardíacas. Mas é muito mais fácil se concentrar no colesterol do que na perturbação emocional e social.
De acordo com alguns estudos, os médicos dão aos seus pacientes 11 segundos, em média, para explicar as razões que os levaram a uma visita clínica antes de interrompê-los. Desde que escreveu o livro, Jauhar tem uma nova conduta em relação a deixar que os pacientes falem sobre as coisas que os estão incomodando, a fim de compreender melhor como é a vida emocional deles. Ele também tem tentado incluir novos hábitos para ajudar na redução de estresse, como yoga e meditação.
Agora ele se exercita diariamente, passa mais tempo com os filhos e tem maior capacidade de se relacionar com seus pacientes desde que descobriu sobre sua própria doença cardíaca.
“Eu estava tão absorvido pela correria da vida que provavelmente estava ficando estressado demais. Agora penso em como viver de maneira um pouco mais saudável, para ficar mais relaxado. Também estou mais conectado mais com meus pacientes e seus medos em relação ao seu próprio coração”, finalizou.
Notícia publicada no BOL Notícias , em 14 de novembro de 2018.
Jorge Hessen* comenta
Não nos fixando nas questões emocionais lesivas ao coração, ampliamos o horizonte da temática, considerando o impacto do comportamento como um todo na manutenção da saúde ou não. Não se pode perder de mira que os órgãos do corpo físico respondem a todos os estímulos (internos ou externos), determinando um encadeamento de reações. Além dos estímulos físicos que impactam, através dos sentidos, as emoções ou sentimentos que também provocam reações. Estas excitam ou bloqueiam os mecanismos de funcionamento. Em verdade, o processo de preservação e deterioração de qualquer órgão tem uma relação direta com as emoções e os sentimentos.
A cólera, a raiva, o temor, a ansiedade, a depressão, o desgosto, a aflição, assim como todas as emoções derivadas delas, sobrecarregam a economia saudável do corpo. Há outros fatores emocionais que podem influenciar patologias físicas, como relacionamentos afetivos infelizes, penúria econômica, desigualdade de renda e estresse relacionado ao trabalho profissional. Quando estamos tristes e depressivos por uma desilusão amorosa, ou quando estamos ansiosos e irritados por causa de dívidas, também desenvolvemos enfermidades.
Mens sana in corpore sano (“uma mente sã num corpo são”) é uma célebre frase latina, proveniente da Sátira X, do poeta romano Juvenal. Nós somos o que sentimos. René Descartes já dizia que somos aquilo que pensamos. Quando as nossas emoções são reprimidas, elas acabam se constituindo na fonte de um conflito emocional crônico, segundo Sigmund Freud, que gerará distúrbios físicos ou psicológicos, se não forem aliviadas, mediante os canais fisiológicos competentes.
O estresse é como um conjunto de reações fisiológicas produzidas pelo nosso organismo para reagir e se adaptar às situações apresentadas no dia a dia. O problema é que tais reações, psíquicas e orgânicas, podem provocar um desequilíbrio no nosso organismo caso ocorram de forma exagerada ou intensa, dependendo também do tempo de duração. Quanto mais durar o estresse, obviamente a ruína será maior.
Adquirimos doenças porque não conseguimos conviver em harmonia com o meio e com as pessoas ao nosso redor. Enfermamos porque mantemos antipatias, inimizades, desgostos, culpas, arrependimentos, ressentimentos, temores e frustrações que não queremos superar. Por desconhecermos as nossas próprias emoções, muitas vezes desejamos ocultá-las dos outros, e de nós mesmos, mormente os pensamentos e os sentimentos egoísticos.
Cada doença, cada dor, cada sofrimento, cada frustração, cada sintoma traz uma mensagem única e exclusiva para nós e apenas para nós. Quando estivermos prontos para abrigá-las e compreendermos o que elas querem nos dizer, estaremos aptos a andar firmes pelo caminho do nosso aperfeiçoamento espiritual que decisivamente passa pelas vias da nossa saúde moral.
Naturalmente, as nossas doenças são advertências da vida para que venhamos a ter mais consciência de nós mesmos e dos nossos compromissos na família, na natureza e na sociedade, governando-nos pela vida caridosa, solidária e amorosa.
Precisamos ter consciência de que doença e saúde são consequências das nossas livres escolhas através das emoções ou sentimentos e tal responsabilidade não pode ser terceirizada. Além do que a doença não pode ser instrumento de punição. Na verdade, deve ser um expediente de aprendizado, na sábia pedagogia divina, convidando-nos ao exercício do amor.