Tok Thompson
The Conversation*
Em diversos países, o Halloween (ou Dia das Bruxas) é uma época em que histórias de terror e decorações assustadoras estão por toda a parte, evocando o reino dos mortos. E mais do que isso: ensinando importantes lições sobre como levar uma vida baseada em princípios morais e éticos.
As origens do Halloween moderno remontam ao festival de *Samhain * (“fim do verão”), celebração pagã celta que marca o início da metade escura do ano em que, reza a lenda, o reino dos vivos e o dos mortos se sobrepõem - e os fantasmas podem ser encontrados com frequência.
Em 601 d.C., o Papa Gregório 1° orientou os missionários a não acabar com as celebrações pagãs, mas a torná-las cristãs, como parte de sua estratégia de converter o norte da Europa ao cristianismo.
Assim, ao longo do tempo, as celebrações do Samhain se transformaram no Dia de Finados e no Dia de Todos os Santos, quando falar com os mortos era considerado religiosamente apropriado.
O Dia de Todos os Santos também era conhecido como All Hallows’ Day e a noite anterior como All Hallows’ Evening ou Hallowe’en.
Não só as crenças pagãs em torno dos espíritos dos mortos continuaram, como também se tornaram parte de muitos rituais da igreja católica.
Crença lucrativa
O próprio Papa Gregório 1° sugeriu que as pessoas que vissem espíritos deveriam encomendar uma missa para eles. Os mortos, sob esse ponto de vista, precisariam da ajuda dos vivos para fazer sua jornada em direção ao céu.
Durante a Idade Média, as crenças em almas presas no purgatório levaram a igreja a vender cada vez mais indulgências - documentos que concediam o perdão divino ou reduziam as penitências a quem pagasse. Ou seja, acreditar em fantasmas fez da venda de indulgências uma prática lucrativa para a igreja.
Foram essas crenças que contribuíram para a Reforma, movimento liderado pelo alemão Martinho Lutero que levou à divisão do mundo cristão ocidental entre católicos e protestantes.
De fato, as 95 teses de Lutero, pregadas na porta da Igreja de Todos os Santos de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517, foram em grande parte um protesto contra a venda de indulgências.
Posteriormente, os espíritos foram apontados com “superstições católicas” nos países protestantes.
Mas os debates sobre a existência de fantasmas continuaram - e as pessoas se voltaram cada vez mais para a ciência a fim de lidar com a questão.
No século 19, o Espiritismo, movimento que afirmava que os mortos podiam conversar com os vivos, se tornou rapidamente popular, assim como suas abordagens: sessões espíritas, tábua de ouija (espécie de brincadeira do copo), fotografia de espíritos e afins.
Embora a importância cultural do Espiritismo tenha sido ofuscada após a Primeira Guerra Mundial, suas técnicas podem ser observadas hoje nos “caça-fantasmas”, que tentam provar a existência de espíritos usando métodos científicos.
Essas crenças não fazem parte apenas do mundo cristão. A maioria das sociedades tem um conceito para “fantasma”. Em Taiwan, por exemplo, cerca de 90% das pessoas relatam ter visto espíritos.
Assim como outros países asiáticos, como Japão, Coreia, China e Vietnã, Taiwan celebra o Mês dos Fantasmas, que inclui o Dia dos Fantasmas, quando se acredita que os espíritos vagam livremente pelo mundo dos vivos.
Esses festivais e crenças são frequentemente associados à sutra (escritura sagrada) budista de Urabon, em que Buda ensina a um jovem sacerdote como ajudar sua mãe, a quem ele vê sofrendo como um “fantasma faminto”.
Como em outras culturas, os espíritos taiwaneses são vistos como “amigáveis” ou “hostis”. Os amistosos costumam ser ancestrais ou familiares e são bem-vindos nas casas durante o festival. Já os hostis são aqueles que estão com raiva ou “fome” e assombram os vivos.
Lembrete moral
Como professor de mitologia na Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, que há anos estuda e ensina histórias de fantasmas, descobri que eles geralmente “assombram” por uma boa razão. De assassinatos não resolvidos à falta de funerais adequados, passando por suicídios forçados, tragédias que poderiam ser evitadas e outras questões éticas.
Os espíritos, sob essa perspectiva, estão frequentemente buscando justiça depois de mortos. Eles podem cobrar isso de indivíduos, ou da sociedade como um todo. Por exemplo, nos Estados Unidos, foram reportadas aparições de escravos afro-americanos e nativos assassinados.
A pesquisadora Elizabeth Tucker, da Universidade Estadual de Binghamton, em Nova York, descreve diversos relatos de aparições em campi universitários, muitas vezes ligados a aspectos sórdidos do passado da instituição de ensino.
Desta forma, os fantasmas revelam o lado sombrio da ética. Suas aparições são muitas vezes um lembrete de que a ética e a moral transcendem nossas vidas e que deslizes podem resultar em um pesado fardo espiritual.
No entanto, as histórias de fantasmas também trazem esperança. Ao sugerir a existência de uma vida após a morte, elas oferecem uma chance de estar em contato com aqueles que já morreram e, portanto, uma oportunidade de redenção - uma forma de reparar erros do passado.
No próximo Halloween, em meio aos doces e travessuras, você pode querer dedicar alguns minutos para refletir sobre o papel dos fantasmas em nosso passado mal-assombrado e em como eles nos conduzem a uma vida baseada na moral e na ética.
Notícia publicada na BBC Brasil , em 11 de dezembro de 2018.
Jorge Hessen** comenta
O temor de “fantasmas” é uma atitude ingênua causada pela ausência de conhecimento a respeito da natureza etérea dos “mortos”. Sobre as suas aparições são mais frequentes do que se pensa e muitos creem que a preferência dos Espíritos [“fantasmas”] é pelos ambientes escuros, mas isso é um mito e um engano. Ocorre, simplesmente, que a substância vaporosa dos períspiritos dos “fantasmas” é mais perceptível no escuro, tal como ocorre com as estrelas que só podem ser visualizadas à noite. A claridade do dia, por exemplo, ofusca a essência sutil que constituem os corpos dos “mortos”. Isto porque os tecidos perispirituais são compostos de energia semelhante à luz, portanto, o perispírito dos “fantasmas” não é, digamos, fosco, ao contrário, é dotado de grande diafaneidade para ser perceptível a olho nu, durante o dia.
O perispírito, no seu estado normal, é invisível; mas, como é formado de substância etérea, o Espírito, em certos casos, pode, por vontade própria, fazê-lo passar por uma modificação molecular que o torna momentaneamente visível. É assim que se produzem as aparições, que não se dão, do mesmo modo que outros fenômenos, fora das leis da Natureza. Conforme o grau de condensação do fluido perispiritual, a aparição é às vezes vaga e vaporosa; de outra, mais nitidamente definida; em outras, enfim, com todas as aparências da matéria tangível. Pode mesmo chegar à tangibilidade real, ao ponto do observador se enganar com relação à natureza do ser que tem diante de si.(1)
A pesquisadora Elizabeth Tucker, da Universidade Estadual de Binghamton, em Nova York, apresenta diversos relatos de aparições [Espíritos] em campus universitário. Conta-se que os fantasmas revelam o lado sombrio da ética. Suas aparições são muitas vezes um lembrete de que a ética e a moral transcendem nossas vidas e que deslizes podem resultar em um pesado fardo espiritual. No entanto, as histórias de fantasmas também trazem esperança. Ao sugerir a existência de uma vida após a morte, elas oferecem uma chance de estar em contato com aqueles que já morreram e, portanto, uma oportunidade de redenção - uma forma de reparar erros do passado.(2)
A crença nos “fantasmas” é comum, pois baseia-se na percepção que temos na existência e sobrevivência dos Espíritos e na possibilidade de comunicar-se com eles. Deste modo, todo Ser espiritual que manifesta a sua presença sob várias circunstâncias é um Espírito que no senso comum é chamado de “fantasma”. Comumente, pelo conhecimento vulgar, são imaginados sob uma aparência fúnebre, vindo de preferência à noite, e sobretudo nas noites mais sombrias, em horas fatais, em lugares sinistros, cobertos de lençóis ou bizarramente cobertos. Todavia, os tais “fantasmas” assustadores, longe de serem atemorizantes, são, comumente, parentes ou amigos que se apresentam por simpatia, entretanto podem ser Espíritos infelizes que eventualmente são assistidos; “algumas vezes, são farsantes do mundo Espírita que se divertem às nossas custas e se riem do medo que causam; mas supondo-se mesmo que seja um mau Espírito, que mal poderia ele fazer, e não se teria cem vezes mais a temer de um bandido vivo que de um bandido morto e tornado Espírito!”(3)
Todos que vemos um “fantasma” podemos conversar com ele, e é o que se deve fazer nesse caso, podendo perguntar-lhe quem é, o que deseja e o que se pode fazer por ele. Se o Espírito for infeliz e sofredor, o testemunho de comiseração o aliviará. Se for um Espírito bondoso, pode acontecer que traga a intenção de dar bons conselhos. Tais Espíritos [“fantasmas”] poderão responder, muitas vezes verbalizando mesmo, porém na maioria das vezes o fazem por transmissão de pensamentos.”(4)
Os “fantasmas” afáveis, quando surgem, têm intenções elevadas ou, no mínimo para confortarem pessoas queridas que padecem com a desencarnação de entes queridos e/ou com a dúvida sobre a continuação da vida post-mortem; oferecerem sugestões ou, ainda, solicitarem auxílio para si mesmos, “o que pode ser feito através de orações e boas ações, no sentido de corrigir ou compensar as transgressões do morto. Mas os espíritos perversos também aparecem e estes, sim, têm o intuito de “assombrar” os encarnados movidos por sentimentos negativos.”(5)
Os “fantasmas”, aliás, estão por toda parte e não temos a necessidade de vê-los para saber que podem estar ao nosso lado. “O Espírito [“fantasma”] que queira causar perturbação pode fazê-lo, e até com mais penhor, sem ser visto. Ele não é perigoso por ser Espírito [“fantasma”], mas pela influência que pode exercer em nosso pensamento, desviando-nos do bem e impelindo-nos ao mal.”(6)
Em resumo, não é lógico assustar-nos mesmo diante da “assombração de um morto”. Se raciocinarmos com calma compreenderemos que um “fantasma”, qualquer que seja, é menos perigoso do que certos espíritos encarnados que existem à sombra das leis humanas (marginais).
Referências bibliográficas:
(1) KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, II parte - “das manifestações espíritas”, capitulo VI - “manifestações visuais”, RJ: Ed. FEB 2000;
(2) Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-46515221 >, acessado em 25/12/2018;
(3) KARDEC, Allan. Revista Espírita, julho de 1860, DF: Ed. Edicel, 2002;
(4) KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, II parte - “das manifestações espíritas”, capitulo VI - “manifestações visuais”, RJ: Ed. FEB 2000;
(5) KARDEC, Allan. Revista Espírita, julho de 1860, DF: Ed. Edicel, 2002;
(6) KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, II parte - “das manifestações espíritas”, capitulo VI - “manifestações visuais”, RJ: Ed. FEB 2000.
** Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (vinte e seis livros “eletrônicos” publicados). Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.