Relações entre seres humanos não é e nunca foi algo fácil de ser conduzido com qualidade devido à variedade de interesses e padrões de pensamento e de comportamento. Podemos imaginar que seja muito diferente em se tratando dos animais, cujos interesses se mantém muito similares entre os membros de uma mesma espécie.
Os humanos apresentam dois agravantes quando comparados com os animais: o orgulho e o egoísmo. O orgulho faz com que cada um busque ser melhor e maior e todas as vezes que não são reconhecidos como tal surge conflito, podendo se manter interno ou não; o egoísmo, por sua vez, faz que se busque mais e o melhor para si, em detrimentos dos outros. Ambos causam graves danos a sociedade.
Tentar abranger todas as dificuldades que podem ser encontradas no relacionamento humano seria inviável, porém, podemos começar estudando um caso em particular, um determinado grupo com características ou interesses semelhantes. Neste caso, o melhor grupo a se considerar seria os presentes em uma casa espírita, onde, a princípio, todos deveriam ter como meta a evolução pessoal e de todos, fomentando o amor ao próximo.
Uma casa espírita é a reunião de espíritos encarnados e desencarnados. Portanto, devemos buscar a orientação necessária em O Livro dos Médiuns para maiores esclarecimentos sobre a interferência de um sobre o outro e vice-e-versa. Assim, no Cap. XXI - Da Influência do Meio, podemos ter uma boa ideia do que encontrar em uma casa espírita.
Primeiramente, é preciso considerar que todos nós, médiuns ostensivos ou não, atraímos espíritos desencarnados. Este conceito traz uma ponderação muito interessantes, pois se nos encontramos em um mundo onde habitam espíritos de nível evolutivo compatível com expiações e provas, são eles que estarão próximo, portanto, temos uma boa noção do tipo de espírito predominante.
Kardec vai mais longe em sua abordagem e diz: “Se tomarmos cada povo em particular, poderemos, pelo caráter dominante dos habitantes, pelas suas preocupações, seus sentimentos mais ou menos morais e humanitários, dizer de que ordem são os Espíritos que de preferência se reúnem no seio dele.”; “Assim, onde quer que haja uma reunião de homens, há igualmente em torno deles uma assembleia oculta, que simpatiza com suas qualidades ou com seus defeitos…” e; “Nem sempre basta que uma assembleia seja séria, para receber comunicações de ordem elevada. Há pessoas que nunca riem e cujo coração, nem por isso, é puro. Ora, o coração, sobretudo, é que atrai os bons Espíritos.”
Podemos, então, afirmar que uma casa espírita será tão boa quanto seus integrantes o forem, pois os bons espíritos são atraídos pelos bons ideais. Todavia, em contrapartida, uma casa espírita é um local para espíritos enfermos os quais os mentores se propõem em auxiliar. Portanto, não adiantar adianta reclamar do companheiro de trabalho ou dos frequentadores, é preciso agir com caridade.
Extrapolando os nossos deveres para com o próximo, é preciso considerar que as relações interpessoais, sejam dentro de uma casa espírita ou não, deverão ser baseadas na caridade. Como não há regra de conduta melhor que o Evangelho como devidamente apresentado n’O Evangelho Segundo o Espiritismo, este deve ser a referência em como agir e reagir em todas as situações na vida de relação com o outro.
As relações interpessoais e destes com regras de conduta adequadas datam de longo tempo, por isso, para compreender o momento atual das casas espíritas e da vida em sociedade é necessário considerar a caminhada do Evangelho no mundo. Por “Evangelho” entende-se o ensinamento por si mesmo, pois no livro O Evangelho Segundo o Espíritos, logo na introdução, Kardec apresenta a doutrina de Sócrates e Platão como precursoras dos ensinamentos de Jesus e do próprio Espiritismo.
Sob este aspecto, podemos considerar a parada do Evangelho na Grécia antiga, 500 AC, com Sócrates e Platão. Sócrates é mencionado inicialmente n’O Livro dos Espíritos, questão 919:
Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?
“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”
O reconhecimento de Sócrates como um homem sábio foi muito interessante.
No noroeste de Atenas, na cidade de Delfos, se localizava o Templo de Apolo, deus grego da antiguidade. Neste templo existia um oráculo, o Oráculo de Delfos, onde ficava a pitonisa que respondia as mais variadas questões e era considerada de extrema importância para a sociedade.
Certo dia, a pitonisa relatou a Querofonte que determinado amigo seu era o mais sábio dos homens. Ela se referia a Sócrates, que viria a se tornar um marco, dividindo a filosofia entre pré- e pós-socrática.
Ao ser informado sobre as palavras da pitonisa, Sócrates se mostrou muito surpreso, afinal não tinha nenhuma especialização e se considerava um ignorante. Assim, tentou interpretar o que o oráculo havia dito e optou por interrogar os homens considerados sábios acerca das mais variadas questões para encontrar o mais sábio e seguir com a sua vida.
Após algum tempo Sócrates chegou à seguinte conclusão: “sei que não sei, enquanto os meus concidadãos pensam que sabem o que não sabem”. No frontispício do oráculo de Delfos se encontrava seguintes as palavras: CONHECE-TE A TI MESMO, que se tornou o lema da filosofia socrática.
Como a segunda parada do Evangelho, nesta abordagem simplista, podemos considerar a Palestina na época de Jesus e nada mais apropriado que analisar a postura do próprio Jesus.
Algumas afirmações repetidas ao longo do tempo nos remete a situações específicas sem que avaliemos precisamente o seu significado. Tomemos como exemplo o segmento de texto extraído da Parábola do Semeador:
“Naquele mesmo dia, tendo saído de casa, Jesus sentou-se à borda do mar; – em torno dele logo reuniu-se grande multidão de gente; pelo que entrou numa barca, onde sentou-se, permanecendo na margem todo o povo. – Disse então muitas coisas por parábolas…”
O que significava “multidão de gente” na época de Jesus? A mesma quantidade de pessoas que estão presentes em um evento do Rock in Rio, por exemplo; o número de participantes em uma palestra do divulgador espírita Divaldo Franco; ou muito menos?
Considerando que a população estimada na Palestina era de 500 mil habitantes e que Jesus não tinha microfone, podemos imaginar que se tratava de um número muito reduzido de pessoas quando comparado com eventos atuais de grande porte. Um espírito da envergadura de Jesus encarnou para trazer o ensinamento para poucos, desprovido de orgulho, não precisa de holofotes.
Em seguida, podemos considerar Roma como mais uma parada do Evangelho, onde se estabeleceram cristãos que viviam na clandestinidade. A Igreja se estabeleceu oficialmente com a permissão do Imperador Constantino no século IV.
A história relata que ocorreram uma série de equívocos com o passar do tempo. Inicialmente se formou o regimento denominado de Cavaleiros Templários que foram responsabilizados pelo confisco de muitos tesouros e perseguições em locais distantes.
Em seguida, podemos dizer que veio um dos mais graves equívocos cometidos: A Inquisição, movimento responsável pela perseguição, tortura e morte de um sem números de pessoas sob alegações de heresia pelos mais diversos motivos.
O Evangelho chega, então, na França, na segunda metade do século XIX.
Com o advento das ocorrências denominadas de “mesas girantes”, o hoje conhecido como Allan Kardec, se interessou pelo fenômeno quando informado que as mesas podiam responder perguntas que lhe eram direcionadas. Assim, começa a surgir a Doutrina Espírita; baseada na comunicabilidade com os mortos, busca trazer à luz a questão de vida e de morte, descortinando um mundo, ou melhor, uma condição de existência pouco conhecida e estabelece uma correlação mais acertada sobre a forma como se vive enquanto encarnado e a condição que o espírito se encontrará durante e após a desencarnação.
Muitos adeptos surgiram e auxiliaram Kardec na sua empreitada, tanto na França quanto em outros países. Atualmente o movimento espírita na Europa segue acanhado.
Mais recentemente, o movimento espírita no Brasil tomou proporção considerável e vem aumentando. Contamos hoje em dia com grande quantidade de casas espíritas e a disseminação de informação é feita de variadas formas, tais como tv, rádio, jornais e internet.
Neste contexto, como devemos interpretar o tão propagado lema: “Brasil, coração do mundo e pátria do evangelho”?
Avaliando o percurso do Evangelho, mesmo com toda a simplicidade apresentada neste pequeno estudo, vemos que “sua” pátria vai se alternando com o tempo. Podemos, portanto, comparar a trajetória do Evangelho no planeta Terra como um trem seguindo seu caminho com as paradas eventuais nas estações, são as oportunidades que vão surgindo para os diferentes povos.
Porém, não se pode dizer quais locais a aproveitaram e quais não a consideraram como tal, pois, assim como ocorre em uma estação de trem onde muitos embarcam e outros tantos não, muitos não deixaram o Evangelho passar em vão, enquanto outros não se detiveram na questão. Muitos espíritos foram tocados e partiram para mundos melhores. Estes foram os escolhidos como descrito na parábola do Festim das Bodas, apesar de muitos terem sido chamados. Em outras palavras, o Evangelho estava no seio do povo, poucos prestaram realmente atenção no que era apresentado, enquanto outros ou não se interessaram ou se mantiveram apenas nas práticas exteriores.
Ainda sob o mesmo aspecto, podemos compreender a parábola dos Trabalhadores da Última Hora, durante o período de tempo que o Evangelho permanece em determinado local como sua pátria, todos são convidados ao trabalho e não importa se respondem logo de imediato ou se necessitam de mais tempo para compreender o que está em jogo. Na analogia com o trem, enquanto estiver parado qualquer um pode entrar.
Agora chegou a vez do Brasil, país com forte tendência para a religiosidade, onde a grande quantidade de casas espíritas são os locais para se exercitar o Evangelho, trabalhando gradativamente o orgulho e o egoísmo, as duas chagas da humanidade, como preparação vivenciar o amor ao próximo em todos os momentos e locais.
6 de outubro de 2014