Quatro anos depois, o filme sobre a vida de Chico Xavier é reapresentado na televisão. Então lembrei daquele dia em que fui ver a tão esperada produção no cinema. Na época meus filhos já tinham visto, a maior parte dos amigos também. Eu havia combinado com um amigo de vermos o filme juntos, mas não conseguimos um horário comum. Terminei indo ver sozinho.
Foi a melhor coisa que podia ter acontecido naquele dia. Não que não desejasse companhia para ir ao cinema, mas as vezes precisamos de um pouco de solidão pra nos encontrar com o que temos de mais profundo em nós mesmos.
É raro eu me emocionar daquele jeito, mas chorei quase o filme todo. Não era pra menos. Há mais de trinta anos, aquele homem fazia parte da minha vida.
Nunca o vira pessoalmente, nunca fui a Uberaba numa dessas caravanas de visita ou para buscar notícias do meu pai desencarnado. É que pra mim, pra todos os espíritas brasileiros – e muitos não espíritas também – o Chico é alguém da família. Afinal, nada mais comum pra nós do que ler esta ou aquela obra psicografada por ele, ouvir citações e histórias, acompanhar seu estado de saúde quando estava entre nós, e agora, procurar saber se ele já se comunicou… Ver sua vida, sua bondade, sua simplicidade, seu amor à tarefa, tão bem contadas e interpretadas de forma imparcial e com tanto respeito, foi emocionante.
Mais que alguém da família. O Chico teve uma enorme importância para a expansão do Movimento Espírita no Brasil. Apesar do Espiritismo assentar suas bases sólidas na obra de Allan Kardec, foram os mais de 400 livros psicografados por Francisco Cândido Xavier, que imprimiram uma força espetacular à divulgação da Doutrina Espírita nas terras tupiniquins. E o que o filme mostra, para quem meditar um pouco sobre sua vida, é que tantos livros publicados não teriam tanta força e credibilidade, se não fosse sua humildade, seu exemplo de vida, sua alegria de viver, seu trabalho incansável.
O filme, que bateu todos os recordes de bilheteria, também tem um grande mérito além de ter sido feito a partir de um livro escrito por um jornalista não espírita; mérito aliás do livro. Ele mostra o famoso médium com suas humanidades, suas fraquezas. Por exemplo, no momento em que opta pela vaidade pessoal ao rejeitar a opinião de seu mentor tão querido, quando este faz comentários sobre sua aparência… Ou quando demonstra medo da morte.
Fundamental isto, porque temos o vício de idolatrar as personalidades. É uma maneira de colocá-las distantes, inatingíveis. Assim nos eximimos da obrigação criada pela própria consciência – exigente demais talvez – de agirmos ou sermos como aquela pessoa. É o que acontece já ha muito tempo em relação à figura do Chico, como vemos atualmente nas mensagens que circulam na Internet. Tentam santificar o médium, como se fosse um mito. E é isso que os santos são, mitos recriados fora da mitologia grega ou romana ressuscitada. É vício do comodismo.
E talvez esta tenha sido uma das maiores lições do seu legado: mesmo humano como todos nós, Chico Xavier pôs em prática a Doutrina Espírita em sua maior pureza. Era fiel ao Espiritismo não como movimento sectarista, mas como um conjunto de princípios destinados à iluminação do ser, independente de raça, cor, sexo, opinião política ou religiosa, tal qual idealizou Kardec. Sem abrir mão de sua fé, e sem nunca ter feito o menor esforço para impor esta fé a quem quer que seja, conquistou uma legião de admiradores de todos os credos e até dos céticos, com sua bondade e paciência. Ou melhor, amigos. Melhor ainda, conquistou uma família em toda sociedade brasileira.
8 de junho de 2014