“Dá-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo.”1 (Arquimedes2, 250 a.C.)
“O Espiritismo é a alavanca com a qual Arquimedes levantará o mundo!”3 (Georges)
O Espiritismo chegou à Humanidade para ser poderosa ferramenta de progresso individual e coletivo, nos âmbitos cultural, social e moral. Tem ele cumprido seu papel de locomotiva dos movimentos evolucionários ou tem sido levado a reboque destes? Está sendo usado o ponto de apoio correto da lavanca da Doutrina Espírita? Que resultados práticos para a coletividade têm produzido o estudo dos princípios e a aplicação da metodologia espírita? Que os fatos e pensamentos que serão apresentados aqui incitem o leitor à reflexão necessária sobre a responsabilidade de todos os espíritas na construção de um mundo melhor. No mundo, a diminuição simultânea da pobreza extrema (queda de 21% entre 1990 e 20044) e do analfabetismo (queda de 26% no mesmo período5) facilita a criação de uma mentalidade comum mais consciente, abrindo importante caminho para uma silenciosa evolução de ideais com impactos significativos na vida comum e na legislação. Ao mesmo tempo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE6, entre 2000 e 2010, o número de espíritas no Brasil aumentou 65%, sendo a parcela da população com maior nível de escolaridade e de renda. Do exposto acima, seria natural que os espíritas, tendo o esclarecimento e os meios, se tornassem protagonistas de muitas transformações no bem-viver intelectomoral da coletividade e que os Centros Espíritas fossem, por consequência, locais de promoção do futuro e efervescência de debates e ideias para um mundo melhor. É isso que tem ocorrido? Se ainda não, que fazer para melhorar a rota e corrigir o rumo para aquele previsto pelos Superiores que trouxeram essa Boa Nova à Humanidade?
Vejamos alguns exemplos práticos.
A primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, ocorrida na Suécia em 1972, gerou como produto a Declaração Universal do Meio Ambiente, que provocou reformas profundas nas legislações de diversos países. Também no campo do comportamento, é possível ver mudanças de cultura: no Brasil, entre 1994 e 2008, o número de municípios que realizam coleta seletiva de lixo quadruplicou7. Em O Livro dos Espíritos, mais de cem anos antes, portanto, de a ONU ratificar o entendimento da necessidade de uma postura racional e respeitosa com nosso planeta, os Espíritos já haviam nos ensinado que a Natureza tem seu equilíbrio envolvendo todos os seres vivos (questão 677) e que são os vícios que geram no homem “necessidades que não são reais” (item 716), levando-o a destruir, artificialmente e sem justificativa, o lar que lhe abriga e que lhe é fundamental para seu progresso. As Casas Espíritas, em geral, têm e divulgam a coleta seletiva, o aproveitamento de rejeitos e reciclagem de lixo, entre outras iniciativas? Seria racional conceber, de posse dessa “vantagem” de um século, que, conscientes do papel espiritual do orbe e dos conceitos de necessário e supérfluo, tivessem os núcleos espiritistas capitaneado essa mudança de pensamento ou que, ao menos, a ela tivessem aderido em massa e sem atrasos, como trabalhadores da última hora.
No Brasil, só em 1932 as mulheres adquiriram direito de votar, começando a caminhada – que ainda não se encerrou – na direção da isonomia total de direitos. Mas o mesmo O Livro dos Espíritos, 75 anos antes, em sua questão 822-a, já falava sobre a igualdade de direitos entre os sexos. Mais do que isso, o próprio Allan Kardec asseverou: “O advento do Espiritismo marcará a era da emancipação legal da mulher” (Viagem Espírita em 1862). Mostrando que os Espíritos que encarnam nos diferentes gêneros são os mesmos, que cumprem missões específicas, e que as qualidades morais e intelectuais são do Ser Imortal e não do corpo que o abriga, o Espiritismo oferece todas as possibilidades de análise para concluir pela absoluta igualdade de direitos entre os homens e as mulheres. Paradoxalmente, as estatísticas recentes mostram um aumento nos números da violência contra a mulher – aumento de 33% de ameaças contra mulheres no Estado do Rio de Janeiro nos últimos 5 anos8, além do mesmo quadro no número de estupros. Se há um descolamento entre a aquisição de direitos e de consciência e a prática, o espaço de melhoria demonstra necessidade de educação moral. Adivinhem? Especialidade da Doutrina Espírita. Temos cumprido o papel de promover a conscientização da paridade de gênero e do respeito mútuo? Ou a locomotiva revolucionária do Espiritismo parou em 1857, com O Livro dos Espíritos?
Hoje, quando: de um lado, treze países permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo e oito já autorizam algum tipo de união com direitos civis, de outro, cinco punem a homossexualidade com a pena de morte. Embora existente na cultura da Humanidade desde a antiguidade, no Oriente e no Ocidente, a relação entre pessoas do mesmo gênero é, ainda hoje, alvo de muita controvérsia. No dia 17 de maio de 1990, quando se comemora o Dia Internacional contra a Homofobia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou o homossexualismo da lista de doenças. Todas as comunidades médicas e psicológicas já o reconhecem, hoje, como uma orientação sexual e não como uma patologia, como quis em 1886 o sexólogo Richard von Krafft-Ebing9. A visão espírita, outra vez, é bem ampla e foi Allan Kardec, quem primeiro falou do tema, abordando-o sob o prisma da reencarnação10: o Espírito deveria transitar entre os sexos sem problemas sob a influência do corpo físico. Algumas vezes, entretanto, pelo número e gênero de encarnações no mesmo gênero, o Espírito se prende ou se acostuma com aquela determinada polaridade e, na nova reencarnação, sobrepõe-se à força genética, imprimindo nas características da personalidade uma mistura, mais ou menos profunda, entre o sexo psíquico e o físico. Não faz, entretanto, qualquer julgamento de valor, nem moral, nem intelectual, nem social, dos irmãos que se encontram nessa situação.
Entre 2003 e 2013, nos Estados Unidos, o número de pessoas que apoiam o casamento entre pessoas do mesmo sexo aumentou 48%11 e já é maioria da população desde 2011 e é entre nascidos após 1980 que o percentual de apoio atinge seu recorde: 70%. E a Casa Espírita? Tem ela incentivado o debate em torno do tema ou engajado-se nos coros de igualdade que o mundo já ecoa, ou ainda adota como literatura subsidiária algumas obras, posteriores ao Codificador, mas muito mais preconceituosas do que ele próprio e os Espíritos Superiores?
Desde a Constituição Federal de 1988, jovens de dezesseis anos já podem eleger seus governantes. Embora, ao contrário das anteriores, seja esta uma questão simples, pragmática, matemática, serve para ilustrar bem o quanto, às vezes, objetamos o acesso de nossos jovens aos trabalhos e decisões em nossa comunidade espírita quanto a nação já o permite para a escolha dos cargos mais importantes do país. Outra vez, o Revolucionário de Lyon nos traz uma lição dos Superiores com relação à inclusão de crianças jovens em trabalhos espíritas, ao afirmar que “Há crianças de doze anos a quem tal coisa [o desenvolvimento da mediunidade] afetará menos do que a algumas pessoas já feitas”12. Além da votação administrativa, temos aberto espaço em nossas atividades espíritas a nossos jovens?
A Doutrina Espírita é um conjunto de conhecimentos e de metodologia. Só é possível penetrar-lhe a essência por um estudo sistemático, baseado em O Livro dos Espíritos como mola mestra, que permitirá a interconexão entre ideias num corpo único. Uma vez entendidos os motivos dos Espíritos Superiores, todas as questões às vezes cravadas de preconceitos estranhos à razão de ser do próprio Espiritismo, ficarão mais claras. Com isso, a alavanca de Aristóteles, fixada sobre um ponto de apoio confiável, poderá novamente fazer seu papel de impulsionar o pensamento para frente e para o Alto.
Usaríamos dezenas de páginas apresentando estatísticas que provam centenas de mudanças significativas no perfil social da população encarnada no planeta. Nós, os espíritas, carregamos, somos carregados ou, pior, somos apáticos? Quando pensarmos, com tantas obras iluminadas às mãos, sobre nossa própria postura perante as transformações sociais, lembremo-nos das palavras atribuídas a Jesus pela visão profética de João em Apocalipse: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, te vomitarei da minha boca.” (Ap, 3:15-16)
Referências:
1 - Synagoga, Livro VIII, 320 d.C., citação por Pappus de Alexandria.
2 - Arquimedes de Siracusa (287 a.C. – 212 a.C.).
3 - Revista Espírita. “Enterro de um espírita na vala comum”, de outubro de 1863.
4 - A Folha de São Paulo. “Pobreza extrema no mundo diminui 21% em 14 anos, diz Banco Mundial”, de 15/04/2007. http://migre.me/e9qVW
5 - UNESCO (UIS). “World Illiteracy Rate 1970 – 2000 (prognosis for 2005 – 2015”. http://migre.me/e9rIQ
6 - IBGE. Censo Demográfico 2010. http://migre.me/e9mGd
7 - Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal. “Evolução da Coleta Seletiva e Reciclagem no Brasil”, audiência pública de 15 de agosto de 2007. http://migre.me/e9lJr
8 - Instituto de Segurança Pública do Estado do RJ, Dissiê Mulher 2013, gráfico 4, página 13.
9 - Psychopathia Sexualis.
10 - Revista Espírita de janeiro de 1866. “As mulheres têm alma?”.
11 - Pew Research Center. “Growing Support for Gay Marriage: Changed Minds and Changing Demographics”, de 20/03/2013. http://migre.me/e9mgX
12 - O Livro dos Médiuns, Parte 2, Cap. XVIII, item 221, questão 8.
16 de junho de 2014