4 de fevereiro de 2017
Cientistas dizem que a mente não está confinada no cérebro, nem mesmo no corpo
Olivia GoldhillTradução: Alice de Araujo N. Pereira* Talvez hoje você se pergunte, em algum momento do dia, o que está se passando na cabeça de outra pessoa. Você pode elogiar alguém por ter uma mente brilhante, ou dizer que alguém está com a cabeça fora do lugar. Você também pode tentar abrir ou libertar sua mente. Porém, o que é a mente? Definir esse conceito não é uma tarefa simples. A mente é onde se está a consciência, a essência do seu ser. Sem uma mente, você não pode se considerar vivo de maneira significativa. Então, o que exatamente ela é e onde, precisamente, ela se encontra? Tradicionalmente, os cientistas vêm tentando definir a mente como o produto da atividade cerebral. O cérebro é a substância física, e a mente é o produto consciente dos neurônios ativos de acordo com o argumento clássico. No entanto, as evidências mostram que a mente vai além do funcionamento físico do cérebro. Sem dúvida, o cérebro desempenha um papel extremamente importante. Mas nossa mente não pode estar confinada dentro do nosso crânio ou mesmo de nosso corpo, de acordo com uma definição proposta primeiramente por Dan Siegel, um professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia e também autor de um livro publicado recentemente chamado, Mind: A journey to the Heart of being Human (Mente: uma jornada ao coração do ser humano, ainda sem tradução no Brasil). Ele primeiro concebeu tal definição mais de duas décadas atrás em uma reunião de 40 cientistas de diferentes disciplinas, incluindo neurocientistas, físicos, sociólogos e antropólogos. O objetivo era chegar a um entendimento sobre a mente que traria consenso e satisfizesse aqueles que discutiam a questão nesses campos. Depois de muita discussão, eles decidiram que um componente chave da mente é “o processo de auto-organização emergente, tanto corporal e relacional, que regula energia e fluxo de informação dentro e entre nós.” Não é fácil reproduzir esse conceito. Mas é interessante, e tem implicações significativas. O elemento mais imediatamente chocante dessa definição é que nossa mente se estende para além do nosso “eu” físico. Em outras palavras, nossa mente não é simplesmente nossa percepção das experiências, mas as experiências em si. Siegel argumenta que é impossível desligar completamente nossa visão subjetiva do mundo das nossas interações. “Eu percebi que se alguém me pedisse para definir o litoral, mas insistisse que era a água ou a areia, eu teria que dizer que o litoral é tanto a areia quanto o mar”, diz Siegel. “Você não pode limitar o nosso entendimento da costa insistindo que é um ou outro. Eu comecei a pensar que talvez a mente seja como a costa – um processo em parte interior e exterior. A vida mental para um antropólogo ou sociólogo é profundamente social. Seus pensamentos, sentimentos, memórias, atenção, o que você experimenta nesse mundo subjetivo é parte da mente.” Essa definição tem sido desde então apoiada por pesquisas nas diversas ciências, mas muito da ideia original veio da matemática. Siegel percebeu que a mente vai ao encontro da definição matemática para sistemas complexos, no sentido que é aberta (pode influenciar coisas fora de si), caótica (o que significa simplesmente que é aleatoriamente distribuída), e não-linear (o que significa que um pequeno input leva a um resultado amplo e difícil de prever). Na matemática, os sistemas complexos são auto-organizados, e Siegel acredita que essa ideia seja a base da saúde mental. Pegando conceitos emprestados da matemática novamente, a auto-organização otimizada é: flexível, adaptável, coerente, enérgica e estável. Isso significa que sem a auto-organização otimizada você chegará ao caos ou a rigidez – uma noção que, segundo Siegel, se encaixa na variedade de sintomas de distúrbios mentais. Finalmente, auto-organização exige ligar ideias diferenciadas ou, essencialmente, integração. E Siegel diz que a integração – seja no cérebro ou na sociedade – é a base de uma mente saudável. Siegel diz que ele escreveu seu livro agora porque vê tanta infelicidade na sociedade, e ele acredita que isso é parcialmente causado por como nós percebemos nossas próprias mentes. Ele conta sobre fazer uma pesquisa na Namíbia, onde as pessoas com quem ele conversou atribuíram sua felicidade à sensação de pertencimento. Em outras palavras, até a percepção de nossas mentes simplesmente como produto do nosso cérebro ao invés das relações pode nos fazer sentir mais isolados. E apreciar os benefícios das interações, você simplesmente tem que abrir sua mente.
André Henrique de Siqueira** comenta O que é a mente? O que é o espírito? O que é a alma? Comentando a publicação do livro Mind: A journey to the Heart of Being Human (Mente: Uma jornada ao coração do Ser Humano), a jornalista Olivia Goldhill analisa a natureza da mente e apresenta as ideias do professor de psiquiatria da escola de medicina da UCLA, Dan Siegel, de que a mente está para além dos fenômenos físicos produzidos pelos neurônios dentro de nosso cérebro. O artigo suscita uma série de perguntas oportunas: o que é mente? o que é a alma? o que é o espirito? Neste texto trataremos da visão espírita das questões ao mesmo tempo em que apreciamos o comentário de Olívia Godghill sobre o o livro de Dan Siegel sobre a mente.
O que é a mente? “É a base da consciência, a essência de nosso ser.” - resposta apresentada pela jornalista Goldhill como uma das tentativas da ciência tradicional para definir a mente como o resultado da atividade física cerebral. A mente seria um epifenômeno - o subproduto acidental de um fenômeno essencial. A mente é um efeito, não uma causa. A mente é um efeito colateral do funcionamento cerebral. “O cérebro é a substância física, e a mente é o produto consciente das descargas dos neurônios.” Mas a jornalista prossegue afirmando que novas evidências estão surgindo para mostrar que a mente vai muito além do trabalho físico do cérebro… “Sem dúvida, o cérebro desempenha um papel importante. Mas nossa mente não pode ser confinada para o que está dentro de nosso crânio, ou mesmo em nosso corpo, segundo a definição apresentada pelo Dr. Dan Siegel.” O novo conceito da mente, apresentado por Siegel, caracteriza-a como “um processo de auto-organização que envolve relacionamento e experiência corporal e que regula o fluxo de energia e informação dentro e em torno de nós”. A mente está além dos limites do corpo. O argumento de Siegel é o de que a mente atende âs características da definição matemática de sistemas complexos de abertura (pode influenciar coisas fora do sistema aberto); caos (aleatoriamente distribuída) e não-linear (um pequeno estímulo pode levar a um resultado amplo e de difícil previsibilidade). A proposta do Dr. Siegel é aplicar o novo conceito da mente para analisar a saúde mental com base nas características dos sistemas matemáticos complexos.
Definições de alma analisadas por Allan Kardec Na segunda parte da introdução de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec enfatiza a importância de um claro entendimento sobre a palavra alma. Este vocábulo tem sido utilizado com diferentes significados. Para alguns a alma é o princípio da vida orgânica; para outros a alma é o princípio da inteligência, um agente universal do qual cada indivíduo retira sua parte; por fim há os que entendem a alma como um ser moral distinto, uma individualidade independente da matéria e que sobrevive à morte do corpo. Kardec faz uma escolha linguística e define que naquela obra o uso da palavra alma será específico: “chamamos ALMA ao ser imaterial e individual que em no´s reside e sobrevive ao corpo”. O conceito de alma (psiqué em grego) foi substituído pelo de mente para definir um marco materialista na psicologia (estudo da alma) sem alma. O behaviorismo - escola de psicologia que tornou-se famosa entre 1920 e 1950 como o fundamento científico da psicologia - pretendeu aplicar o método da observação empírica e a medição como instrumentos do estudo da psiquê através da análise de processos de estímulo de resposta. A chamada psicologia experimental comportamentalista almejava a substituição de ideias por comportamentos como objetos de estudo e aplicava as teorias associacionistas para relacionar comportamentos complexos a uma sequencia lógica de condicionamentos e reforços. O surgimento da teoria da identidade, a qual afirma que os estados físicos e mentais são idênticos - a um estado mental corresponde uma determinada disposição cerebral especifica, deu prosseguimento ao ideal behaviorista. Posteriormente, o funcionalismo e a Teoria Computacional da Mente completaram o conjunto dos conceitos de origem behavioristas. O ideal contemporâneo de criar inteligência artificial parte do pressuposto de que a alma é um sistema lógico de associações que pode ser construído por sequências de estímulo e respostas. A definição lógica de uma máquina de estados discretos que pode transformar um conjunto de estímulos em um conjunto de resultados foi a base para o conceito moderno de computador - conforme foi proposto por Allan Turing - permitiu a idealização de uma máquina pensante, uma inteligência artificial analisada em detalhes por Norbert Wiener em seu texto Cibernética como a aplicação de uma teoria da informação para a construção de máquinas autodirecionadas. Por trás das concepções de Wiener estava um modelo behaviorista de inteligência. O desenvolvimento do modelo computacional permitiu a separação conceitual entre hardware (a parte física da máquina) e o software (a parte lógica do programa computacional) e influenciou a relação entre o cérebro (máquina biológica) e a mente (os estados mentais abstratos). A preocupação de Kardec parece válida até os dias atuais. Agora que a ciência tradicional pretendeu excluir o conceito de alma, o problema de definir o que seja a mente está em aberto e ainda se busca uma definição clara do conceito referido por este vocábulo. Afinal, o que é a mente? A ideia de que a mente é a base da consciência tem levado a suposições pouco tradicionais, uma vez que a ideia da consciência começa a ser considerada uma propriedade do Universo.
Sobre a natureza do espírito A abordagem da consciência como elemento primordial do Universo suscita uma reflexão sobre o conceito de espírito analisado por Allan Kardec em 1857, quando interroga sobre “O que é o espírito?” e recebe das entidades espirituais a resposta abrangente de que o espírito é “O princípio inteligente do Universo”. E acrescentam que a natureza íntima do espírito é de difícil análise para a linguagem humana, mas informam que a inteligência é um atributo essencial que se confunde no princípio comum de modo que parecem a mesma coisa para a percepção humana, que não tem uma organização apta a perceber o espírito sem que esteja manifestado através da matéria.
Distinguindo conceitos Para fins de esclarecimento linguístico é oportuno fazer algumas distinções sobre alguns termos. O primeiro deles é a palavra “espírito” - grafada com inicial minúscula. A palavra refere-se ao “princípio da inteligência, abstracão feita das individualidades que por esse nome se designam” - como define Allan Kardec. (questão 25a, em O Livro dos Espíritos.) Por outro lado, por Espírito (com inicial maiúscula) refere-se a outro conceito. No item 76, de O Livro dos Espíritos, encontramos:
Que definicão se pode dar dos Espíritos? “Pode dizer-se que os Espíritos são os seres inteligentes da criação. Povoam o Universo, fora do mundo material.” NOTA - A palavra Espírito é empregada aqui para designar as individualidades dos seres extracorpóreos e não mais o elemento inteligente do Universo. Por alma, entende-se um Espírito encarnado, mas sendo aquele elemento imaterial que existe e responde pela individualidade do ser. Por fim, a mente. A mente será entendida como “o campo de nossa consciência desperta, na faixa evolutiva em que o conhecimento adquirido nos permite operar” - na maravilhosa definição de Emmanuel, em Pensamento e Vida. Ela é a manifestação energética da alma através dos recursos físicos disponíveis. Estruturada sobre a matéria física ou sobre os campos energéticos espirituais que lhe oferecem os elementos específicos de manifestação. (vide André Luiz, em Mecanismos da Mediunidade.)
Conclusões Natural concluir portanto que a mente não está circunscrita ao cérebro, embora encontre nele as estruturas de sua manifestação. O Espírito imortal que nos define como individualidade é o resultado da individualização do princípio inteligente, que imerso na carne caracteriza a alma imaterial que expressa-se na matéria e fora dela pelos recursos energéticos da mente. À guisa de conclusão, consideremos as palavras de Emmanuel no texto de Pensamento e Vida (já referenciado): Ninguém pode ultrapassar de improviso os recursos da própria mente, muito além do círculo de trabalho em que estagia; contudo, assinalamos, todos nós, os reflexos uns dos outros, dentro da nossa relativa capacidade de assimilação. Ninguém permanece fora do movimento de permuta incessante. Respiramos no mundo das imagens que projetamos e recebemos. Por elas, estacionamos sob a fascinação dos elementos que provisoriamente nos escravizam e, através delas, incorporamos o influxo renovador dos poderes que nos induzem à purificação e ao progresso. O reflexo mental mora no alicerce da vida. Refletem-se as criaturas, reciprocamente, na Criação que reflete os objetivos do Criador. ** André Henrique de Siqueira é bacharel em ciência da computação, professor e espírita.