10 de dezembro de 2016
Dor no peito: como o luto pode causar sintomas físicos
Nada havia preparado a britânica Shira Schiller para a dor que ela sentiria ao perder repentinamente seu filho Max, vítima de um problema cardíaco quando ele tinha apenas 10 anos. Inclusive a dor a física.
“É como se alguma coisa estivesse sentada sobre seu peito”, contou a mãe de 47 anos. “Como se houvesse uma mão segurando seu coração. Se estou em um dia ruim, é como se não fosse capaz de respirar.”
Schiller não está sozinha. Lyn Rigby, de 49 anos, disse à BBC sentir uma “constante dor no peito” desde 2013, quando seu filho Lee foi assassinado em Londres. Um mal que “nunca vai embora”.
Termos como “dor no coração”, “ferida” e “dor” são normalmente usados para descrever o trauma emocional. Mas pessoas afetadas pela perda de um ente querido costumam dizer que não se trata apenas de uma figura de linguagem: elas relatam realmente vivenciar essas sensações fisicamente.
Subprodutos da perda
Estômago revirado, coração acelerado, tremedeira, flashbacks e hipersensibilidade ao barulho são alguns dos subprodutos físicos da perda, segundo a Sociedade Psicológica Britânica.
Mas como as pessoas costumam reagir de formas diferentes ao luto, ainda não há uma lista uniforme de sintomas.
A locutora de rádio Barbara Want recorda ter notado uma sensação intensa em seu estômago após a morte de seu marido, o apresentador da BBC Nick Clarke, em 2006. “Era um peso forte, muito forte. Quase como estar doente, com um quadro bem ruim de gastroenterite.”
Want, que agora preside uma entidade que ajuda crianças a superar o luto, a Winston’s Wish, afirma que se alimentou sem sentir qualquer prazer nisso por dois anos. Não sentia fome naquela época.
“Fiquei tão magra que percebia as pessoas olhando para mim com horror.”
Ela também desenvolveu uma rouquidão na voz - segundo um cirurgião, resultado do choque vivido por seu corpo.
Físico e emocional
Cientistas sabem há algum tempo que o luto pode se manifestar não só emocionalmente, mas também fisicamente.
Em exames realizados pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, a Ucla, pesquisadores mostraram que a parte do cérebro que lida com a dor física - o córtex cingulado anterior - também processa a dor emocional.
Sensações ruins relacionadas ao peito são tema recorrente.
“Tenho alguns pacientes que, após um episódio emocional estressante, sentem dor no coração ou palpitações”, afirma Alex Lyon, professor do Imperial College London, de Londres, e cardiologista consultor honorário no Royal Brompton Hospital.
Esses são os sintomas da “síndrome do coração partido”, ou cardiopatia de Takotsubo, algo que geralmente ocorre após um “significante estresse emocional ou físico”, segundo descrição da Fundação Britânica para o Coração (BHF, na sigla em inglês).
Acredita-se que esse mal afete cem a cada 1 milhão de pessoas por ano. Nele, o músculo do coração fica fraco de repente, e uma das câmaras do órgão muda de forma.
Um estudo do Imperial College London sugere que isso se trata, na verdade, de um mecanismo de defesa do coração ao se deparar com a onda muito forte de adrenalina que costuma acompanhar situações de choque e luto.
Imunidade prejudicada
A perda de alguém próximo também pode deixar uma pessoa mais vulnerável a infecções.
Um estudo da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, descobriu que aqueles que viveram recentemente um quadro de luto, especialmente idosos, podem passar por um processo de redução das funções dos neutrófilos - a parte mais abundante dos glóbulos brancos do sangue, responsáveis por combater bactérias como a da pneumonia.
Isso talvez ajude a explicar alguns dos muito noticiados casos de casais de idosos que morrem praticamente juntos.
Em 2014, Clifford e Marjorie Hartland, da cidade britânica de Coventry, morreram em um intervalo de 14 horas em seu 76º aniversário de casamento.
No mesmo ano, Don e Maxine Simpson, de Bakersfield, Califórnia, morreram com quatro horas de diferença em camas vizinhas, segurando as mãos um do outro em seu último momento juntos. Eles estavam casados havia 62 anos.
“As pessoas dizem que se morre de coração partido. O que nós diríamos é que eles estão morrendo dos efeitos desses fatores em seu sistema imunológico”, afirma Anna Philips, professora de Medicina Comportamental da Universidade de Birmingham e responsável por liderar os estudos que correlacionaram o desempenho dos neutrófilos e o luto.
Outra pesquisa conduzida por ela e outros colegas concluiu que pessoas que vivenciaram uma perda no último ano produzem menos anticorpos em resposta a uma vacina.
Consequências inesperadas
Mas apesar do peso do conhecimento científico sobre o relacionamento entre luto e o desconforto físico, os sintomas costumam ser completamente inesperados.
“Às vezes as pessoas ficam bastante chocadas com como se sentem fisicamente e preocupadas achando que há algo errado com elas”, conta Jessica Mitchell, gerente do serviço de apoio telefônico da ONG Cruse Bereavement Care.
As pessoas que entram em contato com a organização também costumam reportar sentirem-se cansadas, dormindo mal, com mudanças no apetite e no ciclo menstrual e aparentam ficar doentes mais facilmente, explica Mitchell.
Entretanto, isso não é muito conhecido. “As pessoas realmente não entendem, porque não se fala sobre isso”, explica Susan Hughes, da ONG Compassionate Friends, que presta suporte aos familiares após a morte de crianças.
Schiller, a britânica que perdeu o filho de apenas 10 anos, lembra que conversar deixou claro que ela não estava enlouquecendo - ou seja, que aquela sensação em seu estômago era tangível e real.
“Nós dois, eu e meu marido, falamos sobre essa sensação física de luto”, ela afirmou. “Nós percebemos que estávamos sentindo a mesma coisa.”
A falta de compreensão reflete a dificuldade da sociedade em falar francamente sobre o luto e a perda, acrescenta.
“Trata-se de um grande tabu. As pessoas não querem ouvir você falar sobre isso.”
Notícia publicada na BBC Brasil , em 25 de setembro de 2016.
Jorge Hessen comenta*
A falta de compreensão do tema “morte e o luto” reflete a dificuldade da sociedade em falar francamente sobre a deserncarnação de alguém da família. Para alguns trata-se de um grande tabu. As pessoas não querem nem ouvir ninguém falar sobre esse assunto.
Ora, em verdade o luto não é essencialmente tão insuportável quanto se imagina. Sabe-se que grande parte dos enlutados consegue suplantar bem uma “perda” de um parente, entretanto por que razão algumas pessoas não conseguem superar o trauma? Muitas pessoas atravessam anos sobrevivendo como nos primeiros e mais complicados períodos do luto. Elas não conseguem retomar a vida. Cultuam a dor, em uma espécie de luto crônico, chamado pelos psiquiatras de “luto patológico” ou “luto complicado”. Nas mortes traumáticas, como acidente, suicídio, assassinato, pode haver uma fase de negação mais prolongada; a culpa e a revolta podem aparecer com mais intensidade.
Para alguns o luto pode provocar uma grave crise doméstica, pois exige a tarefa de renúncia, de excluir e incluir novos papéis na cena familiar. Percebe-se então que existe aí uma confusão, pois essa crise pode estancar o desenvolvimento dos parentes, fator que pode definir o processo de um luto crônico coletivo.
É importante destacar aqui que o luto não advém apenas pela morte de um ente querido. Há diferentes tipos de lutos, às vezes mais intensos, que acontecem depois da perda de um objeto ou abandono afetivo de alguém a que se tinha apego. É verdade! Muitos adoecem fisicamente totalmente apegados a algo, circunstância ou alguém, eis aí a razão de suas desditas e o entrave para a ascenção espiritual.
Talvez o grande preceito da vida, que experimentamos severamente, é desapegarmos de coisas, situações e pessoas. Obviamente desapegar não é desamar ou abater o valor do objeto, da coisa, mas é compreender e acolher o fato da transitoriedade das circunstâncias, dos objetos e pessoas. É importantíssimo irmos desapegando do passado remoto ou recente e sintonizarmos as emoções no presente, sobretudo naquilo que é essencial dentre as coisas e pessoas.
O Espiritismo nos esclarece bem sobre a imortalidade. Jesus, há dois mil anos, reafirmou a realidade da sobrevivência do espírito após a morte e a continuidade da vida em outras dimensões. Por isso, alivia-nos os corações sofridos no luto pelas grandes “perdas”, seja pela visita da desencarnação, seja pelo abandono de alguém querido, seja pela perda de ilusórios haveres ou de posição social. Tudo passa! Até mesmo o luto.