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Imagine viver num lugar em que a política é feita do povo e para o povo, em que não há religião oficial e o dinheiro é mero detalhe. Parece utopia, mas essa é uma boa descrição da comunidade indiana de Auroville. Jorge Hessen comenta.

  • Data :26/04/2016
  • Categoria :

28 de abril de 2016

Conheça a cidade que não tem políticos ou classes sociais

Em Auroville, na Índia, todos os moradores recebem um salário mínimo e podem trabalhar com o que acharem melhor

por Lucas Alencar*

Imagine viver num lugar em que a política é feita do povo e para o povo, em que não há religião oficial e o dinheiro é mero detalhe. Parece utopia, mas essa é uma boa descrição da comunidade indiana de Auroville.

Oficialmente reconhecida como cidade pelo governo da Índia e pela Unesco , Auroville foi fundada em 1968 pelo casal Sri Aurobindo e Mirra Alfassa, ele indiano e ela francesa. No dia da inauguração da comunidade, pessoas de todos os cantos do mundo levaram terra de seus países nativos para simbolizar a união de todas as nações.

Hoje, cerca de duas mil pessoas moram na cidade, quem tem capacidade de receber até 50 mil moradores. A maioria dos habitantes de Auroville é indiana, mas há gente da França, da Alemanha, de Israel, dos Estados Unidos, da Rússia e até do Brasil.

Faça o que tu queres

Completamente autossustentável, a cidade tem campos cultiváveis, pequenas fábricas, restaurantes, padarias, hospitais, escolas e cinemas, além de um pequeno jornal local, tudo alimentado por energia solar. E não há escassez de profissionais! Lá, moram arquitetos, cientistas, médicos e artistas de todos os tipos, de escritores e poetas a escultores e pintores.

Todos os moradores recebem um salário mensal de R$ 405, valor suficiente para os gastos médios e para guardar um pouquinho para qualquer emergência. Mesmo que alguém acumule muito dinheiro, tocando um negócio, não há muito o que comprar, evitando assim a criação de uma sociedade de classes. Carros? Não existem em Auroville. Os cidadãos se locomovem com suas bicicletas.

A política também depende da comunidade. Não existem prefeitos, governadores ou secretários em Auroville. Sempre que surge um problema, uma assembleia é convocada e os cidadãos da comunidade elegem um conselho que remediará o problema.

Também não há religião oficial. Os residentes em Auroville são livres para exercer seus rituais e acreditar no que quiserem, desde que não incomodem ou tentem pregar suas crenças aos concidadãos.

#partiu

Qualquer um é bem-vindo em Auroville. Para morar lá, o interessado precisa apenas comprar uma casa. As residências não ultrapassam o preço de 3 mil dólares – cerca de R$12 mil. Caso o novato não tenha condições de comprar a casa, pode conversar com a comunidade e realizar trabalhos extras para abater o preço.

Todo mundo precisa ter um trabalho oficial na cidade, mas pode contribuir em outras funções e produzir sua própria arte, que é remunerada. Portanto, quando chega na cidade, o novo morador descreve suas aptidões e recebe sugestões de funções que pode exercer.

No primeiro ano que passa na cidade, o novato é observado e avaliado pela comunidade. Depois de uma ano, período que eles chamam de “estágio”, os cidadãos de Auroville decidem se a pessoa pode ou não permanecer entre eles. Caso o pedido seja negado, o valor investido na compra da casa é devolvido integralmente.

E aí, ficou com vontade de se mudar para Auroville?

  • *Com supervisão de Cláudia Fusco *

Matéria publicada na Revista Galileu , em 2 de março de 2016.

Jorge Hessen comenta**

Observamos ser um lugar apinhado de utopias e talvez não muito encantador, pois com meio século de existência e com capacidade para receber até 50 mil moradores, hoje só habitam cerca de duas mil pessoas. Como disse, deve ser um lugar pouco atraente, ou os cidadãos de Auroville devem ser intransigentes (pouco democráticos, diria!). Pode ser que o processo de seleção pela comunidade sobre os que podem ou não residir na cidade (após um ano de “estágio” no local) seja muito rígido ou discriminatório, sabe-se lá!…

Talvez tenham conquistado em Auroville a virtual igualdade dos “bens”, mas convidamos os leitores a meditarem aqui acerca da teoria da desigualdade das riquezas conforme ensinou Kardec, demonstrando que o princípio da pluralidade das existências pode oferecer a real explicação sobre as dessemelhanças dos “bens” na Terra.

Sabemos que há “espíritas progressistas”, que apontam Kardec como um ingênuo por ter explanado sobre a desigualdade das riquezas explicando-a sob a lei da reencarnação. Evocam tais “espíritas progressistas” que o proprietário dos meios de produção gera riquezas só para si, enquanto aos que trabalham resta o salário, representando apenas uma parte da riqueza gerada. Creem no lema “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades", por isso os “espíritas progressistas” divergem de Kardec, dizendo que o Codificador se equivocou quando afirmou que é um ponto matematicamente demonstrado que a fortuna igualmente repartida daria a cada qual uma parte mínima e insuficiente.

Kardec assegurou também que se houvesse a repartição dos bens materiais (riqueza), o equilíbrio estaria rompido em pouco tempo, pela diversidade dos caracteres e das aptidões. Tal verdade espírita é intolerável para os “espíritas progressistas”, pois estes defendem a distribuição irrestrita dos bens produzidos pelas empresas a fim de que os proletários possam viver na prerrogativa e violência ideológica do infausto igualitarismo; os “espíritas progressistas” idealizam uma sociedade altruísta (à moda deles), sem valorizar as legítimas conquistas individuais para a boa performance das estruturas sociais.

Quando Kardec afirmou que se a repartição da riqueza fosse possível e durável, cada um tendo apenas do que viver, e que seria o aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e o bem-estar da Humanidade, os “espíritas progressistas” blasonaram que isso representa uma blasfêmia, pois as tecnologias produzidas têm atendido fundamentalmente às necessidades supérfluas da grande massa de consumidores – portanto, pessoas que já possuem o necessário podem utilizar a sua riqueza para o consumo do supérfluo.

Gritam furiosamente os tais “espíritas progressistas”, levantando por que supor que Deus é o agente da concentração de riquezas? Bradam, então, que a riqueza concentra-se pelo simples fato de que quem já possui fortuna tem mais chances de vencer num mercado competitivo, e assim acumular mais riqueza num movimento crescente de concentração de capital. Como se observa, uma dedução horizontalizada, superficial, mecanicista e nada razoável dos “insurgentes progressistas”, que insistem em dizer que isso não significa que devamos “ler a realidade” como um “plano de Deus”.

Creem os “progressistas” que a riqueza pode e deve ser concentrada sob a propriedade coletiva (sic), visando exclusivamente o benefício geral da humanidade, não permitindo a desigualdade de riqueza, pois assim toda a sociedade acaba “refém” da decisão do endinheirado de bem ou mal utilizar a riqueza. Além do quê, a sua apropriação fica sendo necessariamente injusta, já que os trabalhadores que recebem salário como remuneração pela venda de sua força de trabalho não ganham integralmente por toda a riqueza por eles produzida.

Expõem ainda os “progressistas” que em dez anos, no Brasil, as desordens distributivas estão na ordem do dia, pois os ricos se tornaram mais ricos, os pobres se tornaram menos pobres e uma certa classe média tradicional viu sua posição relativa em relação a essas duas outras camadas prejudicada. A classe média perdeu status. Os ricos se distanciaram e os pobres se aproximaram, daí o conflito atual. Que saibam utilizar a inteligência a fim de entenderem que “as classes [sociais] existiram e existirão sempre, o que porém deve preocupar, e é racional estabelecer a solidariedade entre elas, a conciliação de seus interesses, a multiplicação urgente das leis de assistência social, únicas alavancas mantenedoras da ordem".(1)

É bem verdade que a desigualdade social ou econômica é um problema presente em todos os países (ricos ou pobres), decorrente da má distribuição de renda e, ademais, pela falta de investimento na área social. Compreendemos que uma repartição mais equitativa dos “bens” é imprescindível. Há “trocentas” teorias sociológicas, mil sistemas diferentes, tendendo a reformar a situação das classes desprovidas, a assegurar a cada um, pelo menos, o estritamente necessário. Ótimo!

Mas, infelizmente, noutro cenário, ao invés da recíproca tolerância que deveria aproximar os homens, a fim de lhes permitir estudar em conjunto e resolver os mais graves problemas sociais, tem sido com violência e atualmente no Brasil com ameaça na boca (verbal e saliva hostil ou “cuspidela”) que o militante reivindica seu lugar na ágape social. Outrossim, é uma lástima ver o endinheirado aguilhoado no seu egoísmo e recusando a ofertar aos famintos as menores migalhas da sua fortuna. Dessa forma, um muro tem separado ambos, e os quiproquós, as selvagerias, as cupidezes, as animosidades, os desrespeitos acumulam-se dia a dia.

Politicamente sabemos que as leis elaboradas pelos legisladores podem, de momento, modificar o exterior, mas não logram mudar a intimidade do coração humano; daí vem serem os decretos de duração efêmera e quase sempre seguidos de uma reação mais depravada. A origem do mal reside no egoísmo e no orgulho. Os abusos de toda espécie cessarão quando os homens se regerem pela lei da caridade.

Para confirmar as magníficas teses de Kardec sobre o assunto, reflitamos com Emmanuel: “A desigualdade social é o mais elevado testemunho da verdade da reencarnação, mediante a qual cada espírito tem sua posição definida de regeneração e resgate. Nesse caso, consideramos que a pobreza, a miséria, a guerra, a ignorância, como outras calamidades coletivas, são enfermidades do organismo social, devido à situação de prova da quase generalidade dos seus membros. Cessada a causa patogênica com a iluminação espiritual de todos em Jesus-Cristo, a moléstia coletiva estará eliminada dos ambientes humanos.” (2)

Referências bibliográficas:

(1) Xavier, Francisco Cândido. Palavras do Infinito, 3ª parte, ditado pelo Espírito Emmanuel, SP: Ed. LAKE, 1936;

(2) Xavier, Francisco Cândido. O Consolador, pergunta 55, ditado pelo Espírito Emmanuel, RJ: Ed. FEB, 1978.

** Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.