18 de dezembro de 2015
Solidão muda estrutura das células e pode causar doenças
Que a solidão derruba a gente, todo mundo sabe. Agora, cientistas descobriram como isso acontece
Por Ana Luísa Fernandes Editado por Tiago Jokura
Um novo estudo mostrou que a solidão está ligada ao mecanismo da luta ou fuga, que pode afetar a produção de glóbulos brancos, as células de defesa do organismo. Foram analisados humanos e macacos rhesus, uma espécie altamente sociável. Os novos resultados são complementos de estudos anteriores, realizados pelo mesmo grupo de cientistas.
Anteriormente, eles descobriram que a solidão também está ligada a um fenômeno que se chama resposta transcricional conservada às adversidades (CTRA, em inglês). Essa resposta é caracterizada pela maior expressão de genes envolvidos na inflamação do corpo e pela menor expressão de genes envolvidos na resposta antiviral. Isso quer dizer que as pessoas solitárias têm mais inflamações e um sistema imunológico mais fraco do que os mais sociáveis.
No estudo mais recente, foi examinada a expressão desses genes nos glóbulos brancos, ou leucócitos. O resultado não surpreendeu: os leucócitos dos humanos e macacos apresentaram os efeitos da CTRA, o que significa que eles são mais suscetíveis a doenças causadas por bactérias e vírus.
O outro efeito da solidão observado em laboratório foi o aumento no neurotransmissor norepinefrina, responsável pelo mecanismo de luta ou fuga. Esse mecanismo comanda o corpo para deixá-lo mais preparado para enfrentar situações de estresse, como uma luta ou um assalto. A norepinefrina pode estimular a produção de um tipo específico de célula: o monócito imaturo, que apresenta altos níveis de genes inflamatórios e baixos níveis de genes antivirais. Nos macacos solitários, esses genes permitiram que o vírus da imunodeficiência símia - e quivalente ao HIV -, crescesse mais rapidamente no corpo.
Matéria publicada na Revista Superinteressante , em 1º de dezembro de 2015.
Jorge Hessen comenta*
Define o dicionarista a “solidão” como um estado de quem se sente ou está só. Para os psicólogos a solidão é uma “moléstia astuciosa” que nenhum instrumento médico consegue identificar, o que resulta, quase sempre, em determinados reflexos comportamentais, a saber: isolamento, inabalável esmorecimento, irreprimível indisposição, tristeza sem causa, baixa autoestima.
O psicólogo John Cachopo, após 6 anos de estudos com 2 mil pessoas, afirma que os solitários correm mais risco de falecer do que os outros. É que a solidão eleva a pressão arterial e, logo, aumenta também os riscos de infartos e derrames. Além disso, o isolamento enfraquece o sistema imunológico e piora a qualidade do sono.
Não ignoramos que hoje em dia muitas pessoas moram sozinhas e levam uma vida relativamente serena. Não se pode dizer que são pessoas “doentes” se as mesmas se sintam bem nessa circunstância. Até porque, a sensação de isolamento pode estar presente em qualquer lugar ou situação, como numa festa com os amigos, no trabalho e até mesmo dentro de casa com a própria família.
Experimenta-se atualmente a sediciosa sensação de insulamento na multidão. Indivíduos cercados por pessoas em ônibus, metrôs, aviões, estádios, avenidas, ruas, contudo, nessa avalanche de gente avultam os solitários na multidão. E quanto mais são cercados de pessoas, de barulho, de tarefas, mais se agrava a sensação de que estão sozinhos. Parece contraditório. Será a “tal solidão” a ausência de companhia? Consistiria em fuga da civilização?
Há os que defendem que solidão seja a arte do encontro com o vazio existencial. Esse vazio é de mão dupla. Uma é o da existência, da busca de um significado metafísico; a outra é o da ausência, da perda de algo importante. A liberdade é uma descoberta solitária e por isso muitos tentam evitá-la. Garantem tais estudiosos que a solidão é boa, que ficar sozinho não é vergonhoso. Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo.
Realmente há quem use a prodigiosa solidão como tempo de inspiração, análise e programação. Quando fazemos silêncio exterior, damos vazão ao mundo interno, intenso e palpitante. Há tanta gente mergulhada em alaridos indigestos, dominada por conversas maledicentes ou pelo estrondo de risadas burlescas; há tanta gente rodeada de pessoas, mas com a alma amargurada, oprimida, oca. Lembremos que tudo tem o seu tempo determinado, conforme narra o Eclesiastes.
“Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar, tempo de colher, tempo de chorar e tempo de sorrir; tempo de falar e tempo de silenciar também.”(1) Então, por que temer a frutífera solidão? Se a vida nos oferece ocasiões de solidão, saibamos abrigá-la como um tesouro. Aproveitemos cada instante para meditações.
Obviamente o “isolamento absoluto” é contrário a lei da Natureza, somos seres sociais e por instinto buscamos a sociedade e devemos concorrer para o seu progresso, auxiliando-nos mutuamente. Completamente isolados não dispomos de todas as faculdades. No isolamento incondicional ficamos brutalizados e morremos. Por essas razões é importante caracterizar as distintas solidões – aquela que significa fuga deliberada do convívio social daquela outra que nos abastece a alma.
A solidão com o serviço aos semelhantes gera a grandeza. A rocha que sustenta a planície costuma viver isolada e o Sol que alimenta o mundo inteiro brilha sozinho. Emmanuel ensina que “Jesus escalou o Calvário, de cruz aos ombros feridos e ninguém o seguiu na morte afrontosa, à exceção de dois malfeitores, constrangidos à punição, em obediência à justiça".(2)
Não esperemos pelos outros, na marcha de sacrifício e engrandecimento. “E não olvidemos que, pelo ministério da redenção que exerceu para todas as criaturas, o Divino Amigo dos Homens não somente viveu, lutou e sofreu sozinho, mas também foi perseguido e crucificado…”(3)
Referências bibliográficas:
(1) Eclesiastes, 3:1-8;
(2) Xavier, Francisco Cândido. Fonte Viva, ditado pelo Espírito Emmanuel, cap. 70, RJ: Ed. FEB, 1999;
(3) Idem.