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‘Ficou com pena? Adota!’, diz o mantra preferido dos defensores da redução da maioridade penal nas redes sociais. Vítima de um roubo no centro do Rio de Janeiro, um carteiro carioca promete seguir conselho ao pé da letra. Jorge Hessen comenta.

  • Data :20/11/2015
  • Categoria :

24 de novembro de 2015

Carteiro promete ‘adotar bandido’ após ter celular roubado por menor

Ricardo Senra - @ricksenra Da BBC Brasil em São Paulo

“Ficou com pena? Adota!”, diz o mantra preferido dos defensores da redução da maioridade penal nas redes sociais. Vítima de um roubo no centro do Rio de Janeiro na última sexta-feira, um carteiro carioca promete seguir conselho ao pé da letra.

Depois de ter o celular roubado por um adolescente pela janela do ônibus, Deivid Domênico correu atrás do infrator, o protegeu de um linchamento, acompanhou o menor até a delegacia e agora se prepara para visitá-lo no centro de reclusão para onde foi levado.

O carioca narrou o assalto pelo Facebook enquanto estava na delegacia junto ao adolescente. Em três dias, o texto - cuja frase mais comentada é “Como sou contra a redução da maior idade penal, vou seguir o conselho da Rachel Sheherazade, vou adotar meu bandido” - alcançou mais de 27 mil curtidas e 4,8 mil compartilhamentos.

“Com a repercussão, eu percebi que (os críticos da redução da maioridade penal) somos maioria. Os outros só falam mais alto”, disse Domênico à BBC Brasil. Entre mais de 400 comentários publicados nas últimas 72 horas, menos de 20 criticam a iniciativa do carteiro.

A percepção, entretanto, não reflete a última pesquisa nacional em torno do tema: segundo o instituto Datafolha, 87% dos brasileiros são favoráveis à redução.

‘Adoção’

Domênico conta que tem visita marcada ao Instituto Padre Severino, centro de reclusão onde o jovem está apreendido há três dias, na próxima quinta-feira. Não estará sozinho.

“Vou com um advogado amigo meu e uma assistente social que apareceu oferendo ajuda pelo ‘Face’.”

Ele diz que não pretende “se tornar um herói” e explica o que quis dizer com o termo adoção. “Quando digo que vou adotá-lo, é adotá-lo de oportunidades”, afirma. “Não quero só arrumar uma escola ou um trabalho para ele. Mas acho que posso apresentar a esperança que ele nunca teve, que tem gente que se importa, aliás, que 25 mil pessoas torcem por ele e por sua vitória.”

O carteiro também é músico e autor do samba-enredo de 2015 da escola de samba Mangueira - comunidade onde vive, na zona norte carioca.

Ele conta que se surpreendeu ao descobrir que o garoto também vive na região da favela. “Disse que ele deu sorte ‘deu’ não deixar matarem ele e de eu não encontrar ele na Mangueira e avisar que ele me roubou. O moleque chorou e pediu pra eu não dar queixa”, diz o texto que publicou na rede social.

À BBC Brasil, Domênico contou que conversou com o presidente da escola, Chiquinho da Mangueira, para discutir possibilidades para o futuro do garoto. A reportagem também entrou em contato com Chiquinho - que se divide entre o posto máximo da escola e o quarto mandato como deputado estadual pelo PMN (Partido da Mobilização Nacional).

“Houve, sim, a conversa e estamos dispostos a ajudar”, disse o deputado por telefone. “A gente tem que botar ele para estudar. Para praticar esporte lá na Vila Olímpica da Mangueira. Não adianta jogar na bateria da escola, se ele quisesse ser ritmista já tinha virado, isso é ’enxugar gelo’.”

‘Bandido’

O jovem infrator tem 16 anos e morava sozinho, segundo Domênico, em um prédio abandonado “sem luz, nem água” nos arredores da favela. Domênico se dedica agora a encontrar a família do rapaz. “Já descobri que a avó dele é uma senhora de bem e mora no Flamengo, provavelmente também em uma comunidade.”

À reportagem, o carteiro diz “não se iludir” sobre o garoto. “Ele é bandido, mas isso pode mudar”, diz. “Ele é uma pessoa cruel, não sabe o que é família, não sabe o que é amor ou carinho, p*** nenhuma. Ele só sabe o que é porrada.”

Domênico conta que o jovem chorou na delegacia quando se viu amparado pelo homem que assaltou horas antes. “Eu disse: se não quiser ser preso, então não rouba. Mas, calma. Estou aqui para te ajudar a se recuperar como cidadão.”

Notícia publicada na BBC Brasil , em 10 de novembro de 2015.

Jorge Hessen comenta*

Foi altruística indubitavelmente a reação do carioca Deivid Domênico, carteiro, músico e autor do samba enredo 2015 da “estação primeira da Mangueira” que após ter o celular roubado por um menor infrator (na janela do ônibus), conseguiu detê-lo, protegendo-o de um possível linchamento. Acompanhou o delinquente “de menor” até a delegacia, prometendo visitá-lo no centro de reclusão para onde foi levado.

Deivid é contra a redução da maior idade penal, e de forma um tanto burlesca disse que seguirá o “conselho” da Rachel Sheherazade(1), adotando “seu” bandido “apreendido”. Contudo, a opinião do carteiro sambista não reflete a tendência da sociedade brasileira, conforme consigna a última pesquisa nacional em torno do tema: segundo o instituto Datafolha, 87% dos brasileiros são favoráveis à redução.(2)

Sei perfeitamente que é ingenuidade acreditar que a redução da maioridade para 16 anos resolverá o problema da criminalidade. O que o nosso país necessita é de ética, moralização, patriotismo e educação. A única educação que poderia reduzir a criminalidade é a educação moral, aquela dada em casa pelos pais; a educação formal das escolas apenas instrui e há “menores “criminosos (“infratores”) muito bem instruídos. A solução não deve ser tão simplista. Mas aos menores criminosos (“infratores”) deve haver punição, responsabilização e ressocialização.

Quanto aos “de menores” imersos nos desvãos da criminalidade é importante distinguir e separar: os violentos cruéis, que expressam real perigo para a sociedade, que deveriam ser ressocializados numa penitenciária, que por sua vez também precisa ser humanizada, pois que no Brasil encontra-se em estágio adiantadíssimo de decomposição moral.

Em relação aos delinquentes não violentos, a solução deve ser a reeducação imprescindível, em período integral e em regime de cerceamento da liberdade, pois, nenhuma sociedade moralmente sadia aceita milhões de crianças e “de menores” desamparados nas ruas. Lamentavelmente a Organização das Nações Unidas revelou que o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking dos países mais violentos.

Mas, falar sobre a educação no Brasil é miragem. Por estas plagas a irreflexão de educadores imaturos, não habilitados moralmente para os relevantes misteres de preparação das mentes e caracteres em formação, contribui com larga quota de responsabilidade no capítulo da delinquência juvenil, da agressividade e da violência vigentes na utópica “Pátria do Evangelho”.

Sem subterfúgios inócuos, apesar de ser a opinião dominante entre os especialistas que transformar de 18 para 16 anos a maioridade penal não restringirá a violência e não conseguirá afastar o “de menor” da criminalidade, urge reconhecer que é consenso, na maioria da população descrente do judiciário, que medidas urgentes precisam ser tomadas para garantir a redução da criminalidade, a fim de que não sejam massacrados, trucidados, assassinados por “de menores” (apiedados pela Lei) ou “de maiores” incorrigíveis, os seres de bem (crianças, jovens, adultos e velhos) nessa alucinada e interminável guerra urbana.

Referências:

(1) “Conselho” lançado pela jornalista Raquel Sheherazade (SBT), depois que um grupo de bandidos de classe média, no Rio de Janeiro, chamados “Bairro do Flamengo”, prenderam, espancaram e amarraram em um poste um jovem “criminoso” ou “possível criminoso”. (O Globo 5/2/14, p. 8);

(2) Disponível em http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151109_salasocial _ adoteumbandido_rs>, acessado em 17/11/2015.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.