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Sisa Gaber Abu Douh, de 65 anos, uma egípcia que viveu fingindo ser homem durante 40 anos para sustentar a família, recebeu um prêmio do presidente Abdel Fattah al-Sisi depois de ser escolhida ‘melhor mãe do país’. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :22/05/2015
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22 de maio de 2015

Mulher que fingiu ser homem por 40 anos ganha prêmio de melhor mãe no Egito

Uma egípcia que viveu fingindo ser homem durante 40 anos para sustentar a família recebeu um prêmio do presidente Abdel Fattah al-Sisi depois de ser escolhida “melhor mãe do país”. A história de Sisa Gaber Abu Douh, de 65 anos, teve repercussão global nos últimos dias. Ela se viu viúva aos 21 anos, quando estava grávida da filha, e não tinha nenhuma fonte de renda. Sisa vem de uma camada menos favorecida da sociedade egípcia, que não aprova que mulheres trabalhem. E, há 40 anos, a situação era ainda pior. Ela também enfrentou forte pressão da família, que queria que ela se casasse novamente. “O tempo todo meus irmãos me traziam novos ’noivos’”, disse ela ao jornal britânico The Guardian. Mas Sisa recusou os candidatos e resolveu se disfarçar de homem para conseguir emprego. Ela raspou a cabeça e passou a usar um turbante - e roupas largas para disfarçar suas formas. Vestida de homem, ela encarou trabalhos pesados, carregando tijolos e sacos de cimento. “Eu preferi fazer trabalho pesado como levantar tijolos e sacos de cimento e engraxar sapatos do que pedir esmolas nas ruas - para ganhar um sustento para mim e para minha filha e os filhos dela”, disse ela à rede de TV Al-Arabiya. “Então, para me proteger dos homens, de seus olhares e (evitar) ser um alvo deles por causa das tradições, decidi ser um homem… e vesti as roupas deles e trabalhei junto com eles em outros vilarejos, onde ninguém me conhecia”, afirmou. “Quando uma mulher desiste da feminilidade é difícil. Mas eu faria qualquer coisa pela minha filha. Era a única forma de ganhar dinheiro. O que mais eu poderia fazer? Não sei ler nem escrever, minha família não me mandou para a escola, então este era o único jeito”, disse Sisa ao The Guardian. No entanto, algumas pessoas perceberam que Sisa era uma mulher. “Nunca escondi. Não estava tentando manter um segredo”, disse ela. Depois de receber o prêmio do presidente, Sisa afirmou que vai continuar se vestindo como homem. “Decidi morrer nestas roupas. Me acostumei. É a minha vida inteira e não posso mudar agora.” Notícia publicada na BBC Brasil , em 23 de março de 2015.

Breno Henrique de Sousa comenta* Mantendo as aparências Na vida encontramos histórias surpreendentes como essa, sobre as quais temos muito a refletir, mas quero destacar aqui alguns aspectos desse caso que me parecem surpreendentes. O mais óbvio é a justa homenagem que reconhece Sisa como melhor mãe do país, pois, de fato, para manter a sua filha ela renunciou à própria feminilidade e até se submeteu a algum risco em uma sociedade machista. Não se trata aqui de um caso comum de mudança de gênero ou opção sexual, mas sim de camuflar-se para sobreviver em um ambiente onde não lhe restava outra escolha melhor. No caso de Sisa, essa não deixa de ser uma escolha sua, mas foi uma opção forçada pelas circunstâncias. Ela preferiu não se ater às convenções sociais porque estava em jogo algo mais importante que era o bem-estar de sua filha. Isso me lembra a questão 863 de O Livro dos Espíritos, que diz: Os costumes sociais não obrigam muitas vezes o homem a enveredar por um caminho de preferência a outro e não se acha ele submetido à direção da opinião geral, quanto à escolha de suas ocupações? O que se chama respeito humano não constitui óbice ao exercício do livre-arbítrio? “São os homens e não Deus quem faz os costumes sociais. Se eles a estes se submetem, é porque lhes convêm. Tal submissão, portanto, representa um ato de livre-arbítrio, pois que, se o quisessem, poderiam libertar-se de semelhante jugo. Por que, então, se queixam? Falece-lhes razão para acusarem os costumes sociais. A culpa de tudo devem lançá-la ao tolo amor-próprio de que vivem cheios e que os faz preferirem morrer de fome a infringi-los. Ninguém lhes leva em conta esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo que Deus lhes levará em conta o sacrifício que fizerem de suas vaidades. Não quer isto dizer que o homem deva afrontar sem necessidade aquela opinião, como fazem alguns em que há mais originalidade do que verdadeira filosofia. Tanto desatino há em procurar alguém ser apontado a dedo, ou considerado animal curioso, quanto acerto em descer voluntariamente e sem murmurar, desde que não possa manter-se no alto da escala.” Muitas vezes, para atender às demandas da sociedade, nos submetemos a tudo. Alguns são capazes de vender a própria dignidade ou cometer crimes ocultamente para obter os recursos necessários para manter sua imagem diante da sociedade. Sisa poderia aceitar um casamento de conveniência, sem afeto, para garantir o seu sustento e o da filha, seria mais fácil do que confrontar os costumes vigentes. Ela, porém, preferiu manter a sua dignidade mesmo não sendo esse o caminho mais fácil. E, geralmente, manter a dignidade não é o caminho mais fácil. “Larga é a porta que leva à perdição e estreito é o caminho da salvação.” Nessa situação Sisa salvou a sua dignidade, a vida de sua filha e provavelmente influiu decisivamente na formação do caráter da filha com um exemplo de coragem, determinação e superação. Surpreendente também é o reconhecimento oficial que recebeu Sisa. Isso demonstra um avanço em uma sociedade que há não muito tempo condenaria a sua atitude. Não precisamos chocar a sociedade apenas por um prazer mórbido ou para parecermos excêntricos, mas existem situações onde mais vale romper com certos valores do que cometer injustiças ou perder a dignidade.

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano, professor da Universidade Federal da Paraíba nas áreas de Ciências Agrárias e Meio Ambiente. Está no movimento Espírita desde 1994, sendo articulista e expositor. Atualmente faz parte da Federação Espírita Paraibana e atua em diversas instituições na sua região.