Italiana em coma há 17 anos para de receber alimentação
Guilherme Aquino De Milão para a BBC Brasil
A italiana Eluana Englaro, que está em coma há 17 anos, parou de receber qualquer tipo de alimentação e hidratação neste sábado, segundo fontes médicas citadas pela imprensa italiana.
Englaro, de 38 anos, tornou-se o centro de uma polêmica sobre a eutanásia na Itália, que pôs em lados opostos o premiê e o presidente do país.
O governo do premiê, Silvio Berlusconi, aprovou um decreto-lei que proíbe a suspensão da alimentação e hidratação de pacientes que não possam se expressar sobre a questão. No entanto, o presidente, Girgio Napolitano, recusou-se a assinar o decreto-lei, por considerá-lo inconstitucional.
A família de Eluana Englaro decidiu antecipar para este sábado o desligamento total dos aparelhos, que ocorreria no domingo. Em poucos dias, o processo - que havia começado gradualmente - se tornará irreversível e a italiana morrerá.
Suspeita
A italiana de 38 anos, em estado vegetativo desde 1992, está internada na clinica Le Quiete, em Udine, noroeste do país.
O neurologista de Eluana e um dos autores do protocolo de morte, Carlo Alberto Defanti, não quis comentar a notícia. O documento original previa a suspensão gradual da alimentação da paciente.
Neste sábado, três inspetores do Ministério da Previdência chegaram à instituição para verificar a idoneidade do lugar e se o protocolo de morte de Eluana está sendo aplicado corretamente.
A presença deles faz parte da estratégia do governo em tentar, a todo custo, interromper a morte de Eluana.
Além disso, a Procuradoria-Geral da República, em Udine, continua a investigar o real desejo de Eluana de morrer caso se tornasse inválida. Antes do acidente, ela havia dito que preferia morrer caso se tornasse inválida.
Existe a suspeita de que os depoimentos de amigos e parentes tenham sido forjados para iludir a Justiça italiana.
Vaticano
O Vaticano aplaudiu a iniciativa do premiê Berlusconi, mas lamentou o veto do presidente Napolitano.
Neste sábado, na mensagem sobre o Dia Mundial do Doente, que acontece no dia 11 de fevereiro, o Papa Bento 16, sem citar o caso, afirmou “que cada vida humana, mesmo quando frágil e envolvida no mistério do sofrimento, dever ser reafirmada na sua dignidade com absoluto e supremo vigor”.
Em Cagliari, na Sardenha, o premiê Silvio Berlusconi defendeu neste sábado a suspensão do protocolo até a votação de uma lei.
“Vejo os médicos que devem salvar vidas humanas empenhando-se em ações que levam, certamente, à morte, através de mecanismos cruéis, como o de privar um organismo humano de alimentação e hidratação. Não entendo toda esta pressa depois de tantos anos”, disse Berlusconi.
Para driblar a desaprovação do chefe do Estado, o decreto se transformou em um projeto de lei e será avaliado pela Comissão de Saúde do Senado nesta segunda-feira.
Ele proíbe a suspensão da alimentação e da hidratação de pessoas em estado vegetativo e substitui um outro projeto de lei sobre testamento biológico que ainda não foi votado.
Já na terça-feira, em tempo recorde, o novo projeto poderá ser votado no Parlamento, com congressistas divididos sobre o tema. A oposição afirma que existe o risco de uma crise nacional.
“Esta decisão ameaça o nosso sistema institucional e é um ato de total irresponsabilidade” afirmou Walter Veltroni, líder do Partido Democrático.
“Este é um tormento que não tem fim”, foi o comentário de Beppino Englaro, pai de Eluana, ao saber do movimento do governo em encontrar uma solução para manter viva a sua filha.
Enquanto a família coloca em prática a sentença conquistada na Suprema Corte de Cassação, grupos de radicais católicos protestam diante da clinica Le Quiete. Eles trazem pão e água como símbolos da nutrição e do direito à vida.
Os mais fundamentalistas picharam mensagens contra Beppino Englaro em muros de prédios vizinhos à clínica.
Notícia publicada na BBC Brasil , em 7 de fevereiro de 2009.
Claudia Cardamone comenta*
Eu poderia falar do coma sob a ótica espírita ou mesmo da eutanásia, mas muito já se falou sobre isto. Gostaria de comentar sobre outra coisa: Protocolo de Morte.
“‘ Doce morte ’
O protocolo sobre a eutanásia aprovado pela magistratura prevê a redução gradual da alimentação artificial três dias após a internação de Englaro. A falta de proteínas, gordura, água e açúcar é compensada pela aplicação de sedativos para evitar prováveis convulsões no organismo da paciente. Todos os membros da equipe, entre médicos e enfermeiros, são voluntários reunidos pela associação Per Eluana (Para Eluana), criada para aplicar a sentença emitida pela Justiça. Segundo especialistas, o óbito pode acontecer entre 10 e 21 dias, dependendo do quanto Eluana, já debilitada pelas suas condições físicas, resistiria à falta de nutrição.”
“746. O assassínio é um crime aos olhos de Deus?
Olhando o conceito de assassinato no Dicionário Aurélio, está lá: Matar (ser humano). O grau de culpabilidade depende da intenção daqueles que decidiram a eutanásia. O que me intriga é como saber o grau de sofrimento de uma moça em coma há 17 anos? Neste caso, como em outros, somente temos conhecimento do sofrimento da família, e se a intenção é de aliviar este sofrimento, torna-se uma ato de grande responsabilidade e de egoísmo, visto que a vítima nada pode fazer.
Mas, decidida esta questão, pelo livre arbítrio daqueles que estão envolvidos, temos então que refletir sobre outro aspecto deste protocolo.
“754. A crueldade não decorre da falta de senso moral?
O que me intriga é a afirmação existente no tal protocolo (nome bonito para um ato condenável!) da necessidade de aplicar sedativos durante os dias de agonia (10 a 21). Ou seja, estão esperando que o organismo reaja violentamente, numa inútil tentativa de manter a vida.
Se já decidiram pela eutanásia, porque não o fazem sem sofrimento à moça? Será que acreditam que assim não estariam caracterizando o ato como assassinato. Seriam tolos a este ponto? E ao invés de atenuar, podem estar agravando seu próprio crime, realizando-o com toque de crueldade.
Por fim, fiquei com pena do pai da moça. “Este é um tormento que não tem fim”, foi o comentário de Beppino Englaro, pai de Eluana, ao saber do movimento do governo em encontrar uma solução para manter viva a sua filha. Este comentário possui uma verdade tão grande que ele nem desconfia, já que a vida é eterna, e que ao desencarnar deveremos prestar conta de todos os nossos atos, nos arrepender e expiar os erros.
Este comentário iria ao ar quando recebemos a notícia do desencarne de Eluana:
“O ministro italiano da Saúde, Maurizio Sacconi, confirmou que Eluana Englaro, a mulher que estava em estado vegetativo desde que sofreu um acidente em 1992, morreu na noite desta segunda-feira (9) em uma clínica na cidade de Udine. A morte teria ocorrido às 20h10 locais (17h10 de Brasília).”
Não vejo necessidade de refazê-lo, pois é um bom exemplo para refletirmos sobre nossos atos e intenções, e o ocorrido nos mostra que nada ocorre ao acaso. A situação trouxe a polêmica, chocou as pessoas, estimulou críticas e análises, mas Eluana não precisava passar pelo sofrimento da morte lenta, não era necessário nem útil à sua evolução espiritual, vindo a desencarnar de forma mais rápida. A providência divina jamais permite um sofrimento desnecessário.