Paraenses desperdiçam metade de sua água tratada
Sonia Zaghetto De Brasília
Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Água, o Pará tem pouco a festejar. Quase metade da água tratada distribuída no Estado é desperdiçada. São mais de 70 bilhões de litros de água potável perdidos a cada ano. As principais causas são o baixo índice de medição, os vazamentos e as ligações ilegais.
Na capital, o índice de perdas chega a 49%. Os lagos Água Preta e Bolonha, alimentados pelo Rio Guamá, abastecem Belém com 5 mil m3 de água por segundo – volume que a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) distribui para 1.048.730 pessoas (72,76% da população).
O problema é que apenas 33% das casas possuem hidrômetro. Das 67% restantes, a empresa cobra tarifas definidas de acordo com o tipo de imóvel. Nessa forma de cobrança, o usuário paga por um determinado volume de água, mas pode consumir livremente. Um estímulo ao descontrole. “Há consumidores que gastam até cinco vezes mais”, reconhece o presidente da Cosanpa, Eduardo Ribeiro. Somados aos 30% de inadimplência e aos problemas estruturais do sistema, não admira que a empresa opere no vermelho, com um déficit de quase R$ 70 milhões.
De olho nos números alarmantes, a Cosanpa investe maciçamente em medição. A meta é que, até 2010, 80 mil novos hidrômetros sejam instalados na Região Metropolitana de Belém (RMB) e as perdas caiam para 30%, já que a Cosanpa atribui à submedição a maior parcela de responsabilidade pelo desperdício. “O bolso do consumidor ainda é o caminho mais fácil para sensibilizá-lo a conter o gasto excessivo de água”, ensina o jornalista André Trigueiro, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Mundo em Transformação”. Para ele, há um segundo vilão: os hidrômetros coletivos, que, “além de estimularem o desperdício, são uma injustiça tarifária que premia os perdulários e pune os que economizam”. Segundo Oscar Cordeiro Netto, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), além de corrigir as distorções tarifárias, a individualização dos hidrômetros costuma reduzir em até 40% o uso da água.
“Gatos” contribuem com as perdas e prejuízo aos cofres públicos
Eduardo Ribeiro, presidente da Cosanpa, também aponta como causa do desperdício o atraso tecnológico do sistema e dos materiais empregados nas tubulações. Dos 1.500 quilômetros da rede de distribuição de Belém, 300 km são de cimento amianto e já ultrapassaram o prazo de validade de 30 anos, favorecendo vazamentos.
As fraudes são outro desafio no combate às perdas. Ligações ilegais são um escoadouro de água tratada. Em Belém, elas ocorrem tanto nos bairros de periferia quanto no centro da cidade e nos condomínios de luxo. Por não valorizar o produto, os que fazem os chamados “gatos” utilizam água da melhor qualidade para atividades que poderiam ser feitas com o líquido reaproveitado.
Se o percentual de água perdida no Estado caísse para 20%, não seria necessário produzir 154 milhões de m3 por ano, como ocorreu em 2007. “Com 120 milhões de metros cúbicos conseguiríamos suprir a demanda e atender os novos consumidores”, garante Ribeiro. O mais grave é que a água desperdiçada é um produto nobre e caro, cujo tratamento consumiu recursos públicos. “Muita gente esquece que a água para consumo humano não vem tratada da natureza”, observa André Trigueiro. A Cosanpa gasta R$ 1,2 milhão por mês apenas com a compra de produtos químicos para tratar a água.
De acordo com o consultor Paulo Costa, da H2C Consultoria e Planejamento de Uso Racional da Água, o custo ao economizar água potável é três vezes mais baixo que o de captar, tratar e distribuir. “É muito mais barato racionalizar o uso da água do que aumentar a produção”, afirma.
Faltam atitudes para fazer a diferença
O consultor Paulo Costa garante que há alternativas que permitem reduzir o consumo de água sem necessidade de novos investimentos. Ele cita que, em 1994, a prefeitura de Nova York incentivou a substituição de equipamentos gastadores de água – principalmente bacias sanitárias – por versões mais econômicas. “O investimento de U$ 240 milhões gerou uma economia de 288 milhões de litros por dia”, conta. Os consumidores também se beneficiaram com a economia de até 35% na conta de água.
Também para o jornalista André Trigueiro, os governos precisam tomar a dianteira e sinalizar de forma clara – assim como vem ocorrendo com o desmatamento – que o Estado brasileiro já não aceita descaso com relação aos recursos hídricos. “Isso inclui cuidados com mananciais, atenção ao desmatamento de matas ciliares, gestão de bacias e planejamento cuidadoso”, enumera. Para ele, a Agência Nacional de Águas (ANA) e os demais setores do governo federal “ainda estão se comunicando mal” e a União parece agir “como se o Brasil não tivesse problemas com água”.
Trigueiro é taxativo: os números indicam a necessidade de campanhas de conscientização sobre o uso racional da água. “É uma questão de mudança de hábitos”, afirma. Para Oscar Cordeiro Netto, diretor da ANA, “de modo geral as pessoas têm bastante informação e até uma certa conscientização, mas ainda faltam as pequenas atitudes que fazem grande diferença”.
Belém consome acima da média
Desperdiçar água é uma forma de consumismo. Um hábito caro e que revela incapacidade para pensar nas gerações futuras e no planeta. Banhos demorados, chão e carros lavados com água tratada, tudo isso é demonstração de indiferença perante a coletividade e o meio ambiente.
A ONU recomenda até 110 litros/habitante/dia. Em Belém, o consumo de 173 litros diários por habitante está bem acima desse patamar da média de consumo per capita no Brasil (150 litros). Cidades como Vitória, Rio de Janeiro e São Paulo apresentam as maiores taxas de consumo do país: todas superiores a 220 litros/hab/dia.
Todos os especialistas ouvidos pelo DIÁRIO foram unânimes: é possível aliviar a pressão sobre o meio ambiente utilizando medidas simples. Eles também concordam que Poder Público e cidadãos são igualmente responsáveis.
Para o consultor Paulo Costa, da H2C Consultoria e Planejamento, o maior problema é a ausência de políticas globais de incentivo ao uso racional da água. Ele aponta uma inversão: a maior parte das iniciativas está voltada para o aumento da produção de água e não para a diminuição do consumo. “As prefeituras e os governos federal e estaduais deveriam dar o exemplo. Prédios públicos podem adotar medidas para racionalizar o uso da água. O dinheiro economizado poderia ser investido em campanhas de conscientização”, sugere.
50 países não terão água em 2025
O Pará não está sozinho no desperdício de água. De acordo com a ANA, perde-se 60% da água captada e tratada no país. Estudo divulgado no fim de 2007 pelo Instituto Sócio-Ambiental (ISA) revelou que nas capitais brasileiras desperdiça-se 45% da água retirada dos mananciais. Esse volume seria suficiente para abastecer 38 milhões de pessoas/dia.
Segundo o ISA, das 27 capitais brasileiras, 15 perdem mais da metade da água produzida. São Paulo e Rio de Janeiro desperdiçam diariamente uma quantidade de água que equivale a mil piscinas olímpicas. A perda de água nas capitais é de aproximadamente 6,14 bilhões de litros por dia.
Pesquisa recente da H2C Consultoria e Planejamento de Uso Racional de Água confirma o problema: o brasileiro gasta, em média, cinco vezes mais água do que o volume recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Água parece infinita, mas acaba. Basta lembrar que apenas 2,5% das águas da Terra são doces. E, destas, mais de dois terços não estão disponíveis para consumo humano. As projeções apontam que, em 2025, aproximadamente 50 países não terão água suficiente para atender as necessidades básicas de seus habitantes.
Mas falar em economia de água no Brasil – que detém 12% da água doce do mundo – nem sempre é levado a sério. Pior ainda se for na Amazônia, que reúne 54% da água doce do país. Em Estados como o Pará, com chuvas abundantes e rios caudalosos, a impressão é de que as águas são eternas. É um erro grave. “Aqui no Norte, com tanta água, chuva e alta umidade, é difícil fazer as pessoas entenderem que a água pode acabar”, diz o presidente da Cosanpa, Eduardo Ribeiro.
Fossas já contaminam lençóis freáticos
O Pará é o Estado brasileiro com maior déficit de cobertura de água tratada. Apenas metade da população das áreas urbanas do Estado tem acesso ao serviço, que em algumas localidades do interior é inexistente. Para universalizar o acesso à água no Pará, um estudo do Ministério das Cidades estimou os gastos em R$ 7,3 bilhões.
“Este não é programa para um ou dois governos. É trabalho para uma geração inteira”, diz o presidente da Cosanpa, Eduardo Ribeiro. Ele informa que a expansão do sistema de distribuição do Pará deverá totalizar mais de 200 mil novas ligações e atender a mais de um milhão de pessoas.
Mesmo com esse cenário, a boa qualidade da água tratada é, muitas vezes, subestimada no Estado. “Aqui, basta cavar um poço de 10 metros e se chega ao lençol freático, que está bastante contaminado por fossas construídas fora das normas”, explica.
ESGOTAMENTO – Em esgotamento sanitário, a situação também é grave. Segundo o Instituto Sócio-Ambiental (ISA), mais da metade da população brasileira não conta com redes para coleta e 80% dos esgotos gerados são lançados diretamente nos rios, sem qualquer tipo de tratamento. Belém, Manaus e Rio Branco têm os piores índices do país.
Não por acaso, a ONU elegeu 2008 como o Ano do Saneamento. Essencial para a saúde e o meio ambiente, a falta de acesso à rede de esgotos pode comprometer a qualidade de vida da população e o meio ambiente, ameaçados por enchentes, lixo e contaminação dos mananciais.
Segundo o ISA, Belém é uma das capitais com menor índice de coleta e tratamento de esgoto. Somente 6,3% da população da capital tinha acesso a redes de coleta em 2004 e menos de 3% tinha seu esgoto tratado. Em capitais como Curitiba, Rio de Janeiro e Brasília mais de 60% da população é atendida por tratamento de esgotos.
Poluição e assoreamento são ameaças
Com a poluição das águas e o assoreamento de rios e lagos, as cidades das regiões Sul, Sudeste e Nordeste brasileiros buscam água e mananciais cada vez mais distantes. “Quem tem dinheiro tem água”, sentencia o jornalista André Trigueiro.
O mais grave é que essa busca em locais distantes representa mais riscos para o meio ambiente: novas represas e reservatórios geram desmatamento, que contribui para diminuir o ciclo das chuvas e a quantidade de água doce.
Segundo o IBGE, em 2004 mais de 43 milhões de pessoas moravam nas capitais brasileiras, o que equivale a quase um quarto da população total do país. Para abastecer toda essa gente, a produção de água ultrapassava 13,4 bilhões de litros por dia, isso sem contar os mais intensivos consumidores: a agricultura e o setor industrial. O consumo humano fica apenas em terceiro lugar no ranking.
Como economizar água
Serviço
Para saber mais, acesse:
www.ana.gov.br www.mundosustentavel.com.br www.cosanpa.pa.gov.br www.mananciais.org.br www.h2c.com.br
Notícia publicada no Diário do Pará Virtual , em 23 de março de 2008.
Breno Henrique de Sousa comenta*
A Crise Ambiental
O panorama vislumbrado pelo artigo nos faz perceber as dimensões da problemática da água de maneira atual e direta. O artigo esclarece e nos preocupa quanto à conservação deste valioso recurso que para algumas pessoas parece infinito. Não sabe a maioria que a água potável é considerada um recurso não renovável.
É verdade que após evaporar a água voltará a precipitar-se na forma de chuva, mas para que esta água seja potável é preciso que hajam condições ambientais favoráveis. Caso não hajam matas que permitam a infiltração da água nos lençóis freáticos, os mesmos não abastecerão as surgências (nascentes) de água. Além disso, as florestas exercem um papel regulador no clima equilibrando o regime pluviométrico. Observe que a questão da água está relacionada com outros problemas ambientais, como a poluição causada pelo lixo, resíduos tóxicos da indústria e agropecuária, esgotos, etc, a conservação das matas, que por sua vez são afetadas pelo aquecimento global e este último agravado por outras tantas atividades humanas.
Não é preciso ir muito longe para perceber que o atual panorama de crise ambiental está intrincado, de maneira que as atividades humanas têm causado toda sorte de desequilíbrios e degradações.
O que nos leva a destruir, poluir e desperdiçar? Essa é a questão mais importante a ser refletida. Leis mais duras realmente inibem tais ações, mas elas não modificam os princípios do indivíduo, apenas reprimem seus impulsos, de maneira que, tendo a chance de burlar a lei sem ser punido, ele o faz muitas vezes tendo consciência de que sua atitude é ilegal e imoral. Um exemplo claro são os inúmeros “gatos” de água e de energia a que se refere o artigo.
A forma como tratamos a natureza reflete uma ideologia implícita em nossa sociedade, as ações denunciam os princípios que regem um povo ou um indivíduo, mesmo que o seu discurso seja outro, é nas ações que veremos refletidos os seus reais valores. Por um lado, a história da nossa civilização explica como nos tornamos esses tiranos destruidores da natureza e, por outro lado, o Espiritismo nos faz entender que por nossa inferioridade espiritual ainda não temos uma consciência holística, cósmica, que permita perceber que tudo está interligado e que somos responsáveis por nossas atitudes.
As cidades foram concebidas para facilitar a produção e o consumo de maneira que a questão ambiental sempre foi ignorada. Quando a Terra parecia muito grande, quando a ação do homem sobre a Natureza era ainda insignificante, não se considerava esta possibilidade, mas alguns visionários já se preocupavam com questões ambientais. Pelicioni(1) faz o seguinte relato:
“Na antiguidade, Platão, por exemplo, já denunciava problemas de erosão dos solos e desmatamento das colinas da Ática. Posteriormente, no primeiro século da Era Cristã, em Roma, Columela e Plínio, o Velho, indicavam em seus escritos que a inadequação da ação do homem ameaçava produzir quebras de safra e erosão do solo. Em 1669, a fim de reverter o problema de escassez de madeira na França, Colbert, na condição de primeiro-ministro, promulgou o decreto das águas e florestas. Na realidade, Colbert e outros que agiram em favor de regulamentações protecionistas estavam imbuídos de interesses econômicos. Em relação à poluição ácida, no século XVII, John Evelyn e John Graunt sugeriram que fossem usadas chaminés mais altas para dispersar a poluição. No século XIX, uma série de publicações evidenciou o agravamento e generalização da degradação sócio-ambiental pelo mundo, em virtude da ação humana.”
Estes eram alguns visionários que enxergavam à frente de seu tempo. As pessoas sempre usam expressões como “jogar fora”, “jogar no mato”. Estas são expressões antigas que vêm da idéia de que existe o dentro e o fora. Pensa a maioria: Ora! Quando eu “jogo fora” o lixo ele deixa de ser problema meu. A maioria não tem a percepção do que acontece com o que “joga fora” ou quanta coisa foi jogada fora para produzir qualquer produto que compra no supermercado. Não importa à maioria das pessoas saber qual a origem do produto que está consumindo, se foi feito através de processos poluentes, se desperdiçou desnecessariamente recursos naturais para sua fabricação, se fortalece a economia local evitando o desemprego, se não utilizou mão-de-obra infantil ou escrava, se não matou ou torturou animais, se faz mal ou bem a saúde, enfim, se é sócio-ambientalmente correto. O consumidor não se preocupa tão pouco se o uso de tal produto causará poluição ou agredirá a sua saúde ou de terceiros, se o produto produz muito lixo ou se tem excesso de embalagens, se suas embalagens são recicláveis ou reaproveitáveis.
Mas o nosso descaso em relação a essa questão não é conseqüência da nossa má ou ausente educação ambiental; na verdade, essa má ou ausente educação ambiental é um processo de ruptura que surge com a modernidade e se fortalece em um ambiente de baixo contexto que são as cidades, projetadas para o consumo e produção e não para estarmos conectados com o meio ambiente.
O homem não percebe a destruição que tem causado ao meio ambiente porque está desconectado da natureza. Vê a tudo na TV como se fosse um filme de ficção, olha a tudo extasiado e diz: “Oh… que horror!”, mas não sente realmente a problemática ambiental. As comunidades tradicionais e primitivas tinham maior integração com a natureza e sabiam ler rapidamente seus processos e mudanças de maneira que orientavam seus trabalhos conforme as revoluções e fenômenos naturais.
Para estas comunidades, tudo na natureza era sagrado. A água, por exemplo, sempre foi tida como elemento sagrado que representa a purificação, a fertilidade, a transformação e a sublimação; sempre foi usada nos mais diversos rituais religiosos; rios são considerados sagrados pelas mais remotas civilizações, assim como pelos povos indígenas. Tales de Mileto acreditava que toda a vida surgia da água; na Gênese bíblica, o firmamento surge em meio às águas. A água é fonte de vida. Somos 70% água; este é o elemento sagrado que possibilita a vida biológica, sem o qual não ocorreriam os processos bioquímicos necessários à vida. Saibamos valorizar e conservar este elemento que é uma dádiva, pois senão sofreremos as conseqüências destes e de outros desmandos sobre a natureza.
Devemos economizar não apenas a água, mas sermos em todos os aspectos consumidores mais conscientes e cidadãos mais responsáveis. Procuremos nos informar sobre o que compramos no supermercado. Lembremo-nos, amigos, que seremos nós mesmos os que voltarão a Terra amanhã, pela lei da reencarnação, para colher os merecidos frutos de nossa negligência.
Referência:
(1) PELICIONI, A. F. In: PHILIPPI JR. Curso de Gestão Ambiental. Barueri – SP: Manole, 2004.