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Em busca de cura para dores físicas ou superação de traumas, brasileiros recorrem à TVP - Terapia de Vidas Passadas, apesar do ceticismo de alguns psicólogos e psiquiatras. Claudia Cardamone comenta.

  • Data :14/05/2008
  • Categoria :

Reencontrando o passado

Em busca de cura para dores físicas ou superação de traumas, brasileiros recorrem à Terapia de Vidas anteriores

Por CARINA RABELO

A Terapia de Vidas Passadas (TVP) sempre foi vista com ceticismo por psicólogos e psiquiatras, além de ser condenada por espíritas, que consideram um erro trazer o passado de volta. Ainda assim, o interesse pelo tratamento, que transita na fronteira entre a crença e a ciência, tem aumentado no Brasil e os institutos e sociedades especializadas capacitam cada vez mais psicólogos no polêmico método terapêutico. Quem o procura são pessoas que não conseguem curar uma dor física com a ajuda da medicina tradicional ou superar um trauma com as terapias da psicologia convencional.

Muitas delas não tiveram um episódio na vida que justificasse pânico de água, pavor de lugares fechados ou multidão, ou ainda uma experiência negativa que determinasse dificuldade de estabelecer relacionamentos. Outras conviviam com dores inexplicáveis no corpo. A resposta para esses males só apareceu depois de uma regressão ao que seria uma vida anterior. “Tinha muito medo de mergulhar e procurei a TVP para entender o motivo. Foi quando descobri que morri afogado depois que o mar invadiu minha casa”, conta o paulista Paulo Minoru Minazaki Júnior, 33 anos, que hoje se sente à vontade na água. Na TVP, o indivíduo entra num processo de transe hipnótico superficial e estabelece contato com imagens e sons fora da consciência. Supostamente viaja mentalmente ao passado, onde confronta sua própria personalidade, obtém novas informações sobre o seu caráter, vivências e experiências e o mais importante: uma explicação de por que repete determinados padrões de comportamento.

Histórias de pessoas que morreram em batalhas, foram assassinadas de forma violenta ou viveram entre a realeza antiga recheiam o repertório de quem diz ter se reencontrado numa vida anterior. Mas será que tudo não passa da imaginação? A psicoterapeuta transpessoal Suely Moliterno, que trabalha há 17 anos com TVP, refuta a hipótese e afirma que o estado de consciência, necessário para a imaginação, é praticamente eliminado na regressão. “No estado alfa, a racionalidade participa pouco do processo. A pessoa não conseguiria inventar histórias numa narrativa tão lógica”, afirma. A psiquiatra Maria Teodora Ribeiro Guimarães, presidente da Sociedade Brasileira de Terapia de Vidas Passadas (SBTVP), vai além e aposta na reencarnação. “Trata-se de fato da lembrança de uma vida passada. Estamos elaborando os protocolos científicos para validar o tratamento”, afirma.

Entre os casos apresentados pela SBTVP – que promoverá, entre os dias 22 e 24 de maio, o VI Congresso Internacional de Terapia de Vidas Passadas – está o relato de uma senhora que regrediu à vida anterior e descreveu sua história numa cidade do interior de Minas Gerais, mesmo sem nunca ter ido lá. Depois da terapia, ela foi até o local e teve acesso aos registros que comprovam a existência da pessoa que viu na regressão, além dos detalhes da sua vida pessoal. Situações semelhantes foram catalogadas no livro A física da alma , de Amit Goswami (Editora Aleph), que conta histórias de crianças em processo regressivo que, depois do tratamento, identificaram cidades, pessoas e objetos escondidos que viram durante a hipnose. O fenômeno, ainda estranho aos ocidentais, é amplamente difundido na cultura oriental. Um dos exemplos é o que ocorre durante a seleção do substituto do líder budista Dalai-Lama. O candidato deverá provar, ainda criança, que é o Buda reencarnado, recitando textos e localizando objetos sagrados, mesmo sem nenhuma informação – apenas através da regressão a uma vida anterior.

Desde o surgimento da psicanálise, o inconsciente passou a ser estudado pelo viés científico, o que permitiu que a técnica de regressão à vida intra-uterina fosse legitimada como método terapêutico. As vidas passadas, porém, permanecem confinadas ao campo místico. Mas, se a psicanálise aceita o inconsciente, a ciência deixou uma questão no ar: para onde vai a energia envolvida nestes processos mentais após a morte?

“A consciência não morre, ela vai para um universo multidimensional em forma de elétrons”, disse à ISTOÉ Patrick Drouot, Ph.D. em física quântica, que já pesquisou mais de 30 mil pessoas em processo de regressão. Para ele, as crianças têm mais facilidade para entrar em contato com estas partículas cósmicas no processo regressivo porque estão menos presas à realidade material. “Não é possível voltar ao passado fora do estado de relaxamento porque a mente humana não comporta tanta informação”, explica. O Ph.D. em física nuclear Amit Goswami, pesquisador do Instituto de Ciências Teoréticas da Universidade de Oregon (EUA), compara a regressão às experiências de quase-morte. “É um encontro intenso com a consciência deslocada do corpo e seus diversos arquétipos através da telepatia. Para cada corpo físico há no universo um estado supramental de natureza quântica que lhe corresponde”, afirma. Segundo os físicos, esta ‘memória quântica’, armazenada em partículas no universo, é formada a partir da repetição de padrões de comportamento dos indivíduos em suas várias vidas. Em outras palavras, é o que alguns religiosos chamam de carma.

Nem todos os terapeutas da TVP julgam necessário validar a tese das vidas passadas, e focam o tratamento no discurso do paciente. “O que vale é o relato do inconsciente que revela questões desconhecidas pelo paciente as quais limitam a sua vida”, afirma Noeli Heredia, presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa em Terapia Regressiva. “Independentemente de ser uma vida passada, o valor da técnica está em liberar as emoções negativas para modificar o padrão de comportamento do indivíduo e curar as suas dores”, concorda a psicoterapeuta Suely Moliterno.

Mesmo com relatos de sucesso no processo de cura de dores físicas ou de transtornos mentais, o Conselho Federal de Psicologia não reconhece a técnica. “Não há nada na ciência que comprove que o indivíduo tenha outras vidas e que possa voltar a elas”, afirma o presidente da instituição, Humberto Verona. Além disso, segundo ele, o interesse pelas supostas vidas passadas tem de vir do paciente, e jamais ser induzido pelo profissional. “Em 90% dos processos de pacientes contra a TVP, fica provada a tentativa do profissional de associar a terapia a alguma religião”, revela.

Até o poder de cura da TVP é questionável, segundo especialistas. “Existem dores físicas que são somatizadas por situações de stress e que podem desaparecer através de um processo hipnótico. Mas o problema é que elas sempre voltam, às vezes em outro local, caso não haja um acompanhamento por uma terapia tradicional”, afirma a psiquiatra Marli Piva, para quem dores musculares, crises de garganta e palpitações cardíacas são os efeitos mais comuns de stress emocional.

Não foi o que aconteceu com a carioca Ana Beatriz Berlinck, 47 anos. Vítima de fortes crises de coluna, ela procurou diversos ortopedistas e tomou todo tipo de remédio, mas nada aliviava suas dores. Sua última tentativa foi a Terapia de Vidas Passadas. Na regressão, ela descobriu que teria sido um soldado romano que morreu atingido por uma flecha no local cronicamente dolorido. Bastou se confrontar com a descoberta para se curar. “Me livrei de vez da dor, e sem remédios”, comemora.

Na opinião do presidente do Conselho Federal de Psicologia, Humberto Verona, a cura acontece devido à sensação de conforto pelo fato de o paciente se identificar com o terapeuta. “Elas apenas encontraram no psicólogo uma compatibilidade de crenças que facilitou o processo terapêutico”, afirma. A psiquiatra Marli Piva acrescenta: “A pessoa já se sente aliviada só de achar uma explicação para o seu problema”, diz ela.

Para Gildo Angelotti, diretor-executivo do Instituto de Neurociência e Comportamento, de São Paulo, as vivências relatadas pelos pacientes surgem de memórias inativas que registram imagens de filmes, sons, histórias de livros e tudo que é percebido pelo indivíduo ao longo da vida. “É como um sonho. Quando a pessoa está dormindo, os sentidos são pouco requisitados e sobra mais espaço para o resgate destes registros históricos. Mas a reunião destes elementos vem da mente do próprio indivíduo, não de outras vidas.” Na opinião dele, a TVP chega a ser arriscada aos pacientes psicóticos ou esquizofrênicos, que podem ter uma reação violenta a partir das revelações ou ficarem obcecados em encontrar nesta vida as pessoas do passado.

No estado de inconsciência proporcionado pela TVP, as pessoas choram, gritam, suam, riem, narram as histórias com riqueza de detalhes e, surpreendentemente, conseguem lembrar de tudo depois que voltam à consciência. Todo o processo é filmado ou gravado em áudio, e os psicólogos pouco interferem no processo. Mas nem todos os pacientes conseguem regredir logo nas primeiras consultas. “A terapia não é indicada aos excessivamente céticos ou incrédulos em relação à regressão e à reencarnação. Eles não conseguem se desligar do mundo externo e voltar às suas outras vidas”, diz Osvaldo Shimoda, especialista em terapia regressiva evolutiva.

Na opinião da terapeuta Noeli Heredia, o importante é o bem-estar do paciente e a técnica só é válida se o profissional ajudá-lo a se desprender do passado e quebrar os padrões de comportamento no seu dia-a-dia. “As pessoas devem entender que não são vítimas, mas protagonistas da sua própria história. O paciente deve se olhar de forma crítica e perceber que é o responsável pelo que acontece na sua vida”, afirma.

Matéria publicada na Revista Isto É , em 26 de março de 2008.

Claudia Cardamone comenta*

Esta reportagem já diz logo de início que a terapia de vidas passadas é condenada pelos espíritas. Vamos então inicialmente analisar o que diz a Doutrina Espírita sobre este assunto.

Os espíritos são bem claros na questão 392, de “O Livro dos Espíritos”: o espírito encarnado perde a lembrança do passado porque o homem não pode nem deve saber tudo. Afirmam ainda que o homem, a cada nova existência tem mais inteligência e pode melhor distinguir o bem e o mal. Se o homem recordar seu passado, qual seria o seu mérito?

“A lembrança de nossas individualidades anteriores teria gravíssimos inconvenientes. Poderia, em certos casos, humilhar-nos extraordinariamente; em outros, exaltar o nosso orgulho, e por isso mesmo entravar o nosso livre-arbítrio. Deus nos deu, para nos melhorarmos, justamente o que nos é necessário e suficiente: a voz da consciência e nossas tendências instintivas, tirando-nos aquilo que nos poderia prejudicar. Acrescentemos ainda que, se tivéssemos a lembrança de nossos atos pessoais anteriores, teríamos a dos atos alheios, e esse conhecimento poderia ter os mais desagradáveis efeitos sobre as relações sociais. Não havendo sempre motivo para nos orgulharmos do nosso passado, é quase sempre uma felicidade que um véu seja lançado sobre ele”. (questão 394, O Livro dos Espíritos).

Apesar de o Espírito perder, temporariamente, a lembrança de suas existências anteriores, em certas ocasiões alguns eventos destas existências podem lhe ser reveladas, mas isto ocorre por vontade dos Espíritos superiores, sempre com um objetivo útil e não para satisfazer uma curiosidade. São muito comuns estas visões ocorrerem através do sonho.

O Espiritismo não proíbe nada, porque respeita o livre-arbítrio, porém não recomenda que se façam estas regressões.

Na revista espírita REFORMADOR, de fevereiro de 1980, há um artigo de Hermínio C. Miranda, intitulado TERAPIA DO FUTURO, no qual a psicóloga norte-americana, Dra. Edith Fiore, relata um caso patológico em que a terapia de vidas passadas pode ser feita, com o objetivo de aliviar o sofrimento das criaturas, e que vou resumir:

Tratava-se de uma senhora muito gorda, que vivia deprimida há três anos, com doenças várias, vivendo à custa de tranqüilizantes e antidepressivos. Sua maior preocupação era perder peso, o que não conseguia.

Condenava qualquer forma de violência e não se sentia bem à vista de sangue derramado. Sua maior ansiedade, porém, era o terror de chegar em casa e encontrar os filhos feridos ou molestados. Chegava ao absurdo de pedir ao marido, quando regressavam à casa juntos, para ele entrar primeiro, a fim de verificar se estava tudo bem. Via-se, nos sonhos, constantemente apavorada, a subir relutantemente as escadas de uma casa antiga, mas não tinha coragem suficiente para abrir a porta do quarto. Atrás daquela porta havia algo que a deixava em pânico.

Numa vida anterior, vivia com a cunhada e três filhos desta. Numa determinada noite haveria uma festa numa casa vizinha e ela queria ir com a cunhada e os três filhos dela, mas a cunhada não foi nem deixou as crianças irem com ela. Depois de se divertir muito na festa, ao regressar para casa, subiu as escadas e ao abrir a porta do quarto lá em cima (a famosa porta dos seus pesadelos), esta bateu na cabeça decepada da cunhada. Sangue e desordem por toda a parte. A cunhada e as crianças estavam decapitadas e esquartejadas. Fora o seu próprio irmão, que era desequilibrado e alcoólatra, o autor da tragédia.

A senhora ficou com a sensação de que não deveria ter ido à festa para impedir o acontecido e daí o sentimento de culpa que a atormentava e a deprimia até então, sem saber as causas.

Na presente reencarnação, aquele irmão atormentado era agora o pai da senhora gorda; esta assumira a responsabilidade pelas crianças, que eram os seus filhos atuais; a antiga cunhada retornou como sua mãe.

Só então, depois de tudo esclarecido, é que a senhora gorda passou a perder peso e a se livrar das depressões.

Para a terapia de vidas passadas, se esta lembrança é verdade ou não pouco importa, o importante é obter uma melhoria dos sintomas. Não estou acreditando ou desacreditando esta terapia, mas em alguns casos pode ser semelhante ao paciente que sentindo uma dor de cabeça toma um analgésico para que a dor pare, sem se preocupar em procurar e tratar a causa, ou mesmo o paciente que toma um placebo (segundo o Dicionário Aurélio, “placebo é a forma farmacêutica sem atividade, cujo aspecto é idêntico ao de outra farmacologicamente ativa [Dessa forma, caso o placebo provoque algum resultado, este será, apenas, de natureza psicológica.]” ) e acredita que está curado.

Vamos usar o caso relatado acima: Como será que a senhora passou a olhar o pai, sabendo e lembrando do que ele fez no passado? Imagine que você tem uma terrível dor nas costas que não passa com nada. Então, durante a regressão, você vê que seu irmão hoje era um antigo inimigo e a matou esfaqueando violentamente suas costas. Pode ser que a dor nas costas desapareça ou diminua, mas você vai amar e se sentir protegida pelo seu irmão?

Até que ponto este conhecimento é realmente necessário?

  • Claudia Cardamone nasceu em 31 de outubro de 1969, na cidade de São Paulo/SP. Formada em Psicologia, no ano de 1996, pelas FMU em São Paulo. Reside atualmente em Santa Catarina, onde trabalha como artesã. É espírita e trabalhadora da Associação Espírita Seareiros do Bem, em Palhoça/SC.