Consumo consciente: que escolhas temos?
Por Neuza Árbocz
Enquanto políticas públicas mais corretas em relação aos desafios ambientais ainda se estruturam, outras iniciativas tentam provocar transformação de atitudes em cada um de nós. O equilíbrio planetário só poderá ser alcançado com estes dois movimentos simultâneos. Assim, nesta semana, Idec e Vitae Civilis e Ministério do Meio Ambiente (MMA) lançam campanhas pelo Consumo Consciente.
As campanhas trazem dicas e lembretes, convidando todos a repensarem seus hábitos e a observarem se aquilo que compram foi produzido de forma responsável e pode ser descartado de forma adequada.
A campanha do MMA é reforçada por uma mostra de Boas Práticas e Inovações em Embalagens, realizada até dia 15 de março em Brasília, no Pátio Brasil Shopping. Ela chama a atenção sobre os muitos invólucros que consumimos no dia-a-dia. Segundo o Ministério, a sua campanha “quer instigar a população a prestigiar empresas preocupadas com o meio ambiente e a demandar do mercado que novas alternativas e soluções sejam empregadas em larga escala”.
Um atestado de que nosso governo não tem tido força para modificar a cadeia de consumo no ritmo que precisamos. Assim, resta-nos contar mesmo com nosso poder de consumidores. Embora isto possa significar um tanto de dificuldades, na prática.
Adotar pequenas mudanças de atitude como levar sua própria sacola para fazer compras parece simples, mas no dia-a-dia, com a característica pressa que tomou conta de tudo, poucos conseguem de fato lembrar-se deste detalhe. Além do que, o lixo é coletado em sacos plásticos; de qualquer forma, vamos precisar dos danados cedo ou tarde, enquanto a coleta não for organizada de outra forma.
Falta de escolha
Muitas vezes, como consumidores não temos muita escolha.
A coleta seletiva, por exemplo, deveria existir por contrato, para todos os bairros, em todas as cidades. Afinal, toda prefeitura paga por este serviço. É espantoso que até hoje este serviço misture lixo orgânico, com materiais reaproveitáveis e forme lixões e depósitos poluentes, muitas vezes, nas poucas áreas verdes remanescentes dos municípios. Será que os contratos não podem ser revistos e estabelecer uma prática diferente?
Recicláveis geram renda e podem servir para a própria empresa de coleta, abatendo o valor do serviço a medida que a cadeia de seu escoamento for estabelecida. Por que os governantes demoram tanto para alterar as exigências para este serviço?
Não raras vezes, como consumidores só nos resta abrir mão de comprar e passar vontade, pura e simplesmente. Afinal, se a utilização de embalagens não recicláveis e não degradáveis é permitida por lei no País, que remédio?
Um exemplo disto são as embalagens de alumínio plastificado usadas amplamente para proteger chocolates, bolachas e barrinhas de cereais, entre outros produtos.
A mistura de plástico com alumínio as torna inaproveitáveis, até o momento. As centrais de reciclagem as retiram de junto dos materiais coletados e as jogam fora, simplesmente. Como consumidores, não temos muito o que fazer, a não ser boicotar este tipo de embalagem.
Isso se tivermos força de vontade suficiente para lembrarmos disto na hora de comprar aquele irresistível chocolate ou repor algumas energias com uma barrinha de cereais, ou uma bolacha no meio da tarde. Até produtos naturais e integrais usam esta embalagem, confundindo os consumidores que se esforçam por ter bons hábitos.
Kit a tiracolo
Outros fatores dificultam a vida de quem quer optar pelo consumo consciente. A grande disseminação de descartáveis, por exemplo, exige que se carregue uma caneca a tiracolo, garrafinha de água, conjunto de talheres dobráveis e quem sabe, até um pequeno prato ou vasilha leve. Quem é que pode estar com este kit pronto a todo tempo?
Não seria mais fácil empresas, repartições públicas, escolas, lanchonetes, etc. voltarem a adotar produtos duráveis e laváveis? Assim, se reduziria o impacto de transporte das toneladas de descartáveis que usamos a cada dia. A maioria não reciclada. Pois o fato de um produto ser reciclável não significa que ele o seja de fato.
Isopor: silencioso vilão
Como o caso do isopor, por exemplo. Virou mania em padarias e mercados de todo porte colocar aquela mussarela ou salaminho ou, até mesmo, pãezinhos recheados ou que produto for, em pratos de isopor. Até a carne em açougues já merece este “luxo”, que gera toneladas de isopor contaminado por material orgânico, que ninguém se aventura a reciclar ou reaproveitar.
O isopor, neste caso, pode trazer proteção extra ao alimento, mas por anos a fio vivemos sem ela, não vivemos? Além do que, é sabido que o isopor tem toxidade e a desprende se quebrado. Será o melhor material para colocarmos em contato com o que comemos?
Além disto, o isopor ao se quebrar no lixo, espalha pequenas bolinhas que contaminam lençóis freáticos ou todo o ambiente ao seu redor, se tornando uma ameaça a pequenos animais e se infiltrando em locais de difícil remoção. E as bolinhas vão ficar por lá centenas de anos, pois são uma resina plástica expandida e não se degradam naturalmente.
O que o consumidor pode fazer neste caso? Pedir ao atendente para dispensar o isopor e agüentar os olhares de “tipo esquisito; eu hein…”, e ponto. Afinal, o atendente não sabe o que está fazendo.
Para conhecer as campanhas, acesse:
Mude o consumo, para não mudar o clima - http://www.climaeconsumo.org.br/default.html ;
Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) - http://www.idec.org.br ;
Vitae Civilis - http://www.vitaecivilis.org.br ;
Ministério do Meio Ambiente - http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=133 .
Notícia publicada na Revista Digital Envolverde , em 18 de março de 2008.
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Breno Henrique de Sousa comenta*
Consumo Consciente e Espiritismo
A problemática ecológica nos desperta reflexões à luz da Doutrina Espírita. Aqui se percebe a contradição existente entre natura e cultura . No estado de natureza tudo permanece em equilíbrio, que é estabelecido pelas leis naturais. A cultura é uma criação humana e sempre tem entrado em conflito com a natureza. Observa-se facilmente o que passou pela mão do homem; por exemplo, uma área cultivada, uma cidade, uma máquina ou uma indústria possuem características de ordenamento, padronização, simetria que refletem claramente uma ação inteligente e deliberada.
A natureza sempre foi alvo de reverência, admiração e veneração, mas contraditoriamente também tem sido percebida como caótica, obscura e desordenada. A expressão “terra inculta” demonstra essa percepção que se referia à terra que não foi cultivada pelo homem. É por isso também que os plantios agrícolas recebem o nome de culturas (p.ex: cultura do feijão, cultura do arroz). Locais desconhecidos como o mar e as florestas sempre foram vistos com curiosidade e medo pelo imaginário popular. As florestas sempre foram habitadas por criaturas demoníacas, elfos, criaturas encantadas, espíritos da natureza. O mar também foi cenário para a imaginação onde se concebia a existência de monstros e dragões. Esta relação mista de curiosidade e medo da natureza é tão velha quanto a própria humanidade. Desde que o homem percebeu a inconstância da natureza e as ameaças que representavam os fenômenos naturais, ele buscou significado para tais fenômenos e meios de manter controle e ordem sobre o que lhe parecia indomável. Daí surgiram as tradições religiosas, os símbolos e também a ciência que tenta entender e desvendar as leis que regem o mundo natural.
Era preciso, pois “cultivar” a terra, submetê-la à cultura e ordenação humana sob o pretexto de garantir nossa sobrevivência e resistir à ameaça de sucumbirmos às doenças, fome, tempestades, cataclismos e predadores. Sempre olhamos a natureza como caótica e desordenada e a civilização é a tentativa de sobrepor cultura à natura para termos mais tranqüila nossa existência.
O homem civilizado constitui cultura; cultura e natura parecem conceitos inconciliáveis. Não podemos retornar ao estado de natureza, como quando vivíamos nas cavernas, sem causar impactos à natureza. De outra maneira, o avanço da civilização tem dado sinais claros de insustentabilidade ambiental. Este paradoxo ficou ainda mais difícil de resolver com o advento da revolução industrial que contribuiu para a urbanização. Em todo o mundo as pessoas passaram a trocar o campo pela cidade e as cidades distanciam ainda mais o homem do contato com a natureza. As cidades são ambientes artificiais criados para facilitar o consumo e a produção.
O texto de Neuza Árbocz chama atenção para um aspecto importante desta crise civilizatória. Como consumidores, devemos escolher produtos que sejam menos nocivos ao meio ambiente; mas, além de não sermos bem informados para melhor escolher tais produtos, tão pouco temos muitas escolhas. A maioria dos produtos que consumimos no supermercado possuem algum processo poluente na sua fabricação, ou são feitos com embalagens que poluirão o ambiente, não recicláveis ou poluentes, ou até mesmo exploram a mão de obra infantil, ou a mão de obra barata de países subdesenvolvidos; assim, quase sempre se encontra alguma irregularidade sócio-ambiental.
Mas, ressalvamos que este é apenas um dos aspectos problemáticos da relação homem – natureza e toda essa problemática tem raízes históricas e culturais que precisam ser repensadas para traçarmos novos rumos para a humanidade. Neste sentido, o Espiritismo tem importante contributo, inaugurando a idéia de que a civilização e a evolução da sociedade são necessárias e inevitáveis para o crescimento espiritual do homem, mas que esse desenvolvimento não é inconciliável com o respeito à natureza.
Em primeiro lugar, o Espiritismo nos faz repensar o conceito de equilíbrio na natureza, que nem sempre é constante e contínuo. Processos naturais são por vezes desordenados e destruidores, isso é o que diz a Lei de Destruição (em O Livro dos Espíritos), que observa a destruição como um processo natural e necessário para a renovação da matéria, porém, sempre que o homem destrói além dos limites de sua necessidade, essa destruição se torna uma infração à Lei de Conservação, que diz que toda destruição desnecessária e prematura interrompe a marcha do progresso. Assim, o homem sempre causará algum impacto ou destruição que são aceitáveis quando estão no limite da necessidade de sua sobrevivência; até porque, assim como os outros animais, precisamos predar coisas vivas para comer e com isso somos um elo da cadeia alimentar, que ao nos alimentarmos de outro ser vivo (animal ou vegetal) contribuímos para o equilíbrio das poluções.
Por fim, saberíamos viver da terra se soubéssemos nos contentar com o necessário, mas sempre buscamos o supérfluo para satisfação do nosso orgulho, egoísmo e vaidade. Estes três males são responsáveis pela atual crise civilizatória e o panorama de destruição da natureza com o qual nos defrontamos. Os espíritos sempre nos chamam para o despertar da consciência individual ao invés de simplesmente colocarmos a culpa em quem quer que seja. Não estabelecem por isso uma linha divisória entre o necessário e o supérfluo, essa é uma questão de foro íntimo, mas nos convidam a refletir sobre quantas de nossas “necessidades” são de fato necessidades ou apenas futilidades disfarçadas de necessidades.
É comum não nos darmos conta, por falta de informação, que muitos de nossos hábitos são nocivos à natureza. Cabe ao espírita, as associações e fraternidades espíritas o empenho iminente no esclarecimento das questões ecológicas, principalmente nos núcleos de orientação infanto-juvenil, de onde surgirão os futuros líderes do nosso movimento espírita. Não se trata apenas de um assunto em evidência, mas que necessária e oportunamente surge como uma demanda para nossas reflexões nos meios espíritas e na sociedade como um todo.
O Espiritismo, sempre na vanguarda, lançou desde sua origem uma proposta e ética ecológica, a frente de seu tempo e que agora surge como solução para os problemas atuais. O tema nos permitiria ainda muitas outras considerações, mas fiquemos, pois, com as palavras dos espíritos que respondem à Allan Kardec na questão 705 de O Livro dos Espíritos:
“É que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe. Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado da sua imperícia ou da sua imprevidência. A terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ela emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário. Olha o árabe no deserto. Acha sempre de que viver, porque não cria para si necessidades factícias. Desde que haja desperdiçado a metade dos produtos em satisfazer a fantasias, que motivos tem o homem para se espantar de nada encontrar no dia seguinte e para se queixar de estar desprovido de tudo, quando chegam os dias de penúria? Em verdade vos digo, imprevidente não é a Natureza, é o homem, que não sabe regrar o seu viver.”