Quando consumir vira doença
Casos de pacientes compulsivos por compras preocupam especialistas e começam a ser desvendados pela medicina
RENATA CABRAL
Ela entrou em uma perfumaria em busca de um batom e saiu com 18 deles. Gastou R$ 40 mil num mês com objetos de uso pessoal de que não precisava. E acabou num consultório médico, em busca de ajuda para entender, e tratar, sua fissura pelo ato de comprar. A fisioterapeuta paulista Tatiana Lopes, 28 anos, sofre de um mal chamado oneomania – ou, simplesmente, compulsão por compras. Instituições como o Hospital das Clínicas de São Paulo, da Universidade de São Paulo, e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) oferecem tratamento especializado para essa doença que, muitas vezes, é confundida com fraqueza, ostentação ou impulso de “patricinhas” e “mauricinhos”. Agora, a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro acaba de inaugurar um ambulatório para atender as vítimas da enfermidade.
É mais uma demonstração de que os especialistas estão preocupados com a evolução do problema. E, além da ampliação dos serviços especializados, a medicina também tem se dedicado a desvendar os aspectos da enfermidade. Até hoje, as causas do transtorno não são totalmente conhecidas, mas há alguns avanços neste sentido. “Sabemos que existe uma propensão genética e que pessoas impulsivas têm maior probabilidade de desenvolvê-lo. Mas o ambiente se encarrega do restante”, explica o psiquiatra Hermano Tavares, do Instituto de Psiquiatria da USP. De fato, estímulos para compras não faltam, com tantas ofertas de compras a crédito e o apelo publicitário. É por isso que este tipo de compulsão integra a lista das chamadas doenças da modernidade. “É um mal de uma era que insufla o prazer imediato em tudo”, afirma a psiquiatra Analice Gigliotti, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead) e chefe do setor de dependência química e outros transtornos do impulso, da Santa Casa, no Rio.
Outras informações também estão ajudando a conhecer melhor a enfermidade. Sabe-se, por exemplo, que ela é mais comum em mulheres. Uma das hipóteses que explicariam essa constatação é o fato de que, historicamente, o papel das compras sempre foi atribuído a elas. Portanto, as mulheres estariam mais “expostas” ao objeto da compulsão. “Também é reconhecido que a oneomania, em geral, aparece quando o indivíduo atinge certa independência financeira”, diz a psicóloga Ângela Duque, do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa carioca.
Uma das grandes dificuldades no entendimento da patologia, porém, é reconhecer quando ela se torna uma doença. Hoje, a psiquiatria define alguns parâmetros que ajudam nesta tarefa. O primeiro é verificar se o hábito – no caso, comprar demais – está trazendo prejuízo à vida pessoal, profissional e social. Alguém que está devendo muito e mesmo assim não consegue parar de comprar já está doente. Outro indicativo é o próprio sentimento experimentado pelo indivíduo. “Se após as compras a euforia dá lugar à vergonha, à culpa ou ao arrependimento, pode ser um sinal da compulsão”, explica Analice.
Outro obstáculo já detectado pelos especialistas é a relutância dos portadores em procurar auxílio médico. Na opinião da psicóloga Juliana Bizeto, coordenadora do ambulatório de transtornos não-químicos da Unifesp, isso ocorre muito em razão de a compulsão por compras ser um transtorno mais aceito socialmente, diferentemente do alcoolismo ou da dependência de drogas. Ou seja, nem o doente nem sua família entendem que é uma enfermidade e que, como tal, deve ser tratada.
Esta falta de percepção é um equívoco lamentável. “As pessoas precisam saber que a doença existe para evitar o sofrimento desnecessário. Com o tratamento, alcançamos bons resultados”, garante o psiquiatra Hermano Tavares. Hoje, as opções de tratamentos baseiam-se em psicoterapia, medicação (antidepressivos e ansiolíticos) e no treinamento do paciente para que ele aprenda a usar melhor o dinheiro. “Ninguém pode passar o resto da vida sem comprar. Por isso, o aprendizado de como lidar com o problema é tão importante”, explica a psicóloga Ângela.
Matéria publicada na Revista Isto É , em 12 de março de 2008.
Claudia Cardamone comenta*
Comprar pode ser uma doença, mas seria uma doença moderna? Não, esta doença ou compulsão existe há muito tempo. Nos Estados Unidos, foi criado em 1968 o primeiro grupo de Devedores Anônimos. No Brasil, já existem diversos grupos de DA, grupos que trabalham de forma semelhante ao Alcoólicos Anônimos, entre outros. Por que então só agora ela tomou grandes proporções? Porque com o progresso, a facilidade de acesso a crédito facilitou demasiadamente esta compulsão. Hoje temos cartões de crédito, muitas vezes entregues em casa, cheque especial, crédito pessoal, financiamentos e outras infinidades de opções de crédito.
Todo ser humano adora comprar, seja por qualquer razão. Alguns compram para obter status, outros para satisfazer uma necessidade, outros, ainda, podem comprar por modismo e certas pessoas compram pelo simples prazer de comprar. Os hábitos de consumo são mais emocionais que racionais. Comprar por impulso é sentir uma atração irresistível por um produto, seja pela sua embalagem, seja pela sua utilidade ou por qualquer outro estímulo imediato.
O marketing e a propaganda não são os responsáveis pelo surgimento desta compulsão. Porém, as pessoas que possuem estes transtornos são suas presas fáceis, pois elas não conseguem controlar este impulso.
Uma pessoa pode simplesmente não saber administrar suas despesas pessoais, porque não resiste ao impulso de comprar coisas consideradas supérfluas, a aproveitar promoções, porém o que lhe proporciona prazer é a posse do produto comprado. O comprador compulsivo tem vontade de adquirir, mas não de ter. O que o excita é o ato de comprar e não o objeto em si. Assim, ele comprará com o mesmo prazer um shampoo, um saco de adubo ou um pé de alface.
A oneomania é caracterizada como um transtorno de personalidade e mental. Sendo assim, poderíamos afirmar que a oneomania é uma doença espiritual?
Os comportamentos compulsivos são hábitos aprendidos e seguidos por alguma gratificação emocional, normalmente um alívio de ansiedade e/ou angústia, é o que nos diz a psicologia. São hábitos mal adaptativos que já foram executados inúmeras vezes e acontecem quase automaticamente. Seriam estes hábitos repetidos suficientemente em uma única reencarnação?
A falta de fé no futuro, em nós e em Deus e a crença de que Deus não nos proverá o necessário para nossa sobrevivência fazem com que busquemos nos bens materiais o alívio para esta angústia. Mas pelo nosso orgulho e vaidade confundimos os conceitos de necessário e supérfluo, tratando de rapidamente justificar todas as nossas escolhas.
A Doutrina Espírita nos diz que não é ruim buscar nosso bem estar, que isto faz parte da Lei de Conservação. Porém, quando estes comportamentos passam a prejudicar a nós e aos outros, eles já não visam o nosso bem estar e podem ser considerados sintomas de uma doença que prejudica a alma humana.
No site http://www.devedoresanonimos-rj.org/ pode-se encontrar maiores informações, testes e endereços dos grupos de DA no Brasil.