Por Ansa
Uma igreja católica de Curitiba realizou o batizado de três adolescentes filhos adotivos de um casal homossexual e marcou um fato “importante para aqueles que defendem os direitos LGBT”.
A cerimônia foi comandada pelo padre Elio Dall’Agnol no último domingo (23), na Catedral Basílica de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, na capital do Paraná. Alyson, de 16 anos, Felipe, de 12 anos, e Jéssica, de 14, são filhos do casal Toni Reis e David Harrad, que vivem juntos desde 1990.
“Foi uma cerimônia emocionante, o padre falou muito sobre a importância da adoção e de que sempre se deve dizer a verdade”, disse Reis à imprensa local.
Antes de conseguir batizar os filhos, Reis percorreu quatro Igrejas da cidade e não teve o pedido atendido por problemas burocráticos impostos por funcionários das entidades. Depois disso, ele decidiu escrever um ofício para o Arcebispo Metropolitano de Curitiba, Dom José Antonio Peruzzo, solicitando uma audiência, na qual a cerimônia foi autorizada. Toni Reis é um dos principais dirigentes do movimento LGBT no Brasil, onde anualmente é realizada uma das maiores Paradas Gay do mundo.
O batismo retomou o debate sobre a abertura da Igreja para as famílias homossexuais. A discussão já acontece desde a visita do papa Francisco ao Rio de Janeiro, em 2013, durante a Jornada Mundial da Juventude. “Quem sou eu para julgar os gays?”, perguntou Francisco na ocasião.
Notícia publicada no Portal da Rádio Itatiaia , em 27 de abril de 2017.
Sergio Rodrigues* comenta
Sem dúvida, trata-se de um significativo avanço por parte dessa Igreja de Curitiba, considerando que a Igreja, como Instituição, sempre é muito resistente em modificar suas crenças, que considera eternas e definitivas.
A questão da união homoafetiva ainda desperta preconceitos e provoca debates muitas das vezes apaixonados e até irracionais. Em decisão recente, do ano de 2011, o Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte do Judiciário brasileiro, decidiu que a união homoafetiva seja reconhecida e produza os mesmos efeitos jurídicos da união estável estabelecida entre um homem e uma mulher, prevista no ordenamento jurídico do País. Assim, os casais homoafetivos podem requerer a lavratura de “Escritura Pública de Declaração de União Homoafetiva”, que terá a mesma eficácia jurídica que as “Escrituras Públicas de União Estável” entre homem e mulher, já há muito admitidas no direito brasileiro. Sendo um documento público e, como tal, dotado de fé pública, a todos obriga, inclusive a instituições públicas e privadas, laicas e religiosas.
No rastro dessa decisão, mais recentemente, o mesmo Supremo Tribunal Federal consentiu a adoção de crianças por parte de um casal homoafetivo, destacando que o conceito de família não pode ser diferente por se tratar de um casal dessa natureza. O conceito de família, com regras de visibilidade de continuidade e durabilidade, também pode ser aplicado a pessoas do mesmo sexo, pois do contrário teríamos indisfarçável preconceito homofóbico, concluiu a Corte.
Desse modo, reconhecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro a união homoafetiva e a adoção de crianças por esses casais, com todos os efeitos jurídicos garantidos, não cabe a qualquer segmento religioso a eles se opor, criando aos que compartilham sua fé, por esses motivos, óbices à prática de seus sacramentos.
É claro que o Espiritismo dispensa sacramentos, por entender desnecessários ante o ensinamento de Jesus, no sentido de que cada um receberá segundo suas obras. Mas nem todas as denominações religiosas compreendem esse ensino e conservam em suas crenças a necessidade da prática de cultos, rituais e sacramentos. Há que se respeitar.
No entanto, discriminação motivada por opção de gênero é de todo inadmissível. Jesus disse que seus seguidores seriam reconhecidos por muito se amarem. E ao ser abordado pelos fariseus sobre qual o mandamento maior da Lei, não deixou margem a dúvida, respondendo: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito; este o maior e o primeiro mandamento. E aqui tendes o segundo, semelhante a esse: Amarás o teu próximo, como a ti mesmo”.
Coloca, assim, no mesmo nível de importância o amor ao próximo e o amor a Deus. Um não se completa sem o outro. Deus jamais permitirá cheguemos até Ele sem amar o próximo, pois não é possível amá-lo sem que o próximo também seja amado. Jesus não indicou o caminho religioso, pois, segundo o seu ensino, o que conta é o amor. De nada vale o atendimento a práticas religiosas se não amamos Deus e o próximo. E não condicionou o amor ao próximo a uma união onde prevaleça a diversidade de gênero. Não disse que apenas casais de sexos diferentes devem ser amados. O amor deve ser igual para todos.
Não há maneira mais reprovável de negação do amor ao próximo do que a discriminação, qualquer que seja a forma com que se manifeste. Discriminar alguém por sua opção de gênero é algo desprezível, que não pode ser admitido por quem se pretenda cristão. Aliás, no caso, não apenas os que manifestaram essa opção estão sendo discriminados. Um ser recém chegado à Terra também estará sendo tratado de modo discriminatório, a se lhe negar o batismo por esse motivo.
Portanto, entendemos que a decisão da igreja em questão merece ser reconhecida como um passo à frente no caminho da igualdade entre todas as criaturas. Esperamos que seu exemplo frutifique e que outras unidades religiosas também adotem essa postura.