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  • Disponibilidade emocional: entenda o problema que atinge todas as mulheres

Estar emocionalmente disponível significa doar tempo, atenção e real interesse para outra pessoa, sem expectativa de qualquer retorno a não ser o bem-estar de servir. O problema, no entanto, é a disponibilidade se tornar uma obrigação. Valerie Nascimento comenta.

  • Data :19/09/2018
  • Categoria :

UOL

Letícia Rós e Veridiana Mercatelli

Colaboração para Universa

“Eu me casei e vivi um relacionamento em que eu era cobrada o tempo inteiro para estar sempre bem, sorridente. Minha filha nasceu e a coisa ficou mais séria, pois tinha cobrança da família toda - a minha e a dele - para que eu sempre estivesse disponível para todos. Quando minha filha completou três meses, descobri que o fulano tinha uma outra família em outra cidade. Eu me mandei de volta para a casa da minha mãe e em momento algum pude demonstrar que estava sofrendo. Afinal, agora eu era uma mãe solteira ‘por opção’. Desse dia em diante, tive que me dedicar como profissional, mãe, filha, neta, irmã. Não tinha o direito de dias tristes, de reclamar nem de pedir ajuda. Na minha casa, depressão era coisa de gente que não tinha o que fazer, era uma desculpa. Até que um dia, saindo do trabalho, eu tive minha primeira crise de pânico. Não consegui entrar no ônibus para voltar para casa, chorei copiosamente por horas! Logo na sequência, descobrimos que minha mãe estava com câncer e ela morreu em três meses. Depois, minha filha teve alguns episódios de convulsão e eu continuei adoecendo mentalmente, porque queria abraçar o mundo e dar conta de tudo. Foram os piores dez anos da minha vida. Vivi um luto de mim mesma. Até que reencontrei um antigo namorado, psicólogo, que me ‘obrigou’ a me dar atenção. Ele me fez procurar um médico e estou há, pelo menos, cinco anos sem crises. Mas não foi fácil aprender a dizer ’não posso’, ’não quero’ e ‘hoje não estou bem’.”

O depoimento acima é de GabrielePaschoalin, 37 anos, analista de prevenção de perdas. A história dela, porém, podia ser a história da maioria das mulheres, ainda que em contextos diferentes. As mulheres “ganham” de presente, assim que nascem, uma obrigação natural de serem emocionalmente disponíveis. A ideia de que somos nós quem cuida, alimenta, oferece ombro para o outro chorar, além de ouvidos e ajuda (sempre!), é uma construção social, apesar de ser vista como algo natural. “Para a gente entender a ideia de disponibilidade emocional forjada como habilidade feminina, é importante pensar que isso está direcionado no processo de socialização. Desde crianças, somos instruídas a cuidar, a começar pelas bonecas”, fala a doutora em sociologia e professora da Universidade Federal do Ceará, Monalisa Soares.

A antropóloga e pesquisadora Mirian Goldenberg, professora da da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acrescenta: “Nós somos criadas em função do mito da maternidade e é muito difícil fugir desse modelo, porque quando a mulher tem outras opções, por exemplo, trabalha ou estuda muito, ou gosta de viajar, é acusada de ser egoísta, de pensar só nela”, explica.

O papel materno também está associado ao estereótipo de mãe boa, paciente, calma, que perdoa, que é complacente. “Falo por experiência: a maternidade é uma dádiva, mas também é um sentimento de culpa o tempo todo”, diz a psicóloga Erika de Paula Ribeiro. “Tem a obrigação que a sociedade impõe e a obrigação que a gente se coloca, também. E é necessário pedir socorro, cobrar do pai, do responsável, que tem as mesmas atribuições”, fala a psicóloga.

Disponibilidade com moderação

Estar emocionalmente disponível significa doar tempo, atenção e real interesse para outra pessoa, sem expectativa de qualquer retorno a não ser o bem-estar de servir. “A disponibilidade emocional deve estar presente em qualquer tipo de relação sadia e equilibrada”, diz Edda Maffei, psicóloga clínica com especialização em terapia de casais e de famílias, da Clínica Spatium. O problema, no entanto, é a disponibilidade se tornar uma obrigação, porque sobrecarrega a mulher, que tenta dar conta de tantos papeis de forma perfeita. Adoecer nesse cenário, assim como aconteceu com Gabriele, do início do texto, é inevitável.

“Para mudar a situação, em primeiro lugar, a gente tem que ter consciência de que isso vai da cultura e não da natureza. E criar parcerias para cuidar e ser cuidada”, fala Mirian Goldenberg. Ou seja, estabelecer relações justas, em que a mulher também recebe o que dá.

A culpa por não estar sempre disponível pode aparecer. Nessas horas, Edda Maffei tem o conselho perfeito: “É só se lembrar da instrução dada nos aviões sobre o uso da máscara de oxigênio: ‘Primeiro, coloque sobre seu próprio rosto e, depois, da criança ou dependente que a acompanha’”, fala.

É importante treinar o “não”, inclusive para os filhos. “O ’não’, seguido de esclarecimentos, serve para os filhos compreenderem que a mãe também tem sonhos e vontades. É preciso também solicitar das crianças pequenas doações pessoais, como pedir um copo de água porque está cansada, lavar a louça de vez em quando, cuidar de animais e plantas. O exercício da disponibilidade, da doação da generosidade também se aprende em casa”, finaliza a psicóloga.

Notícia publicada no BOL Notícias , em 28 de julho de 2018.

Valerie Nascimento* comenta

“Quando a mulher se reerguer, disposta à conquista da plenitude, Jesus a estará aguardando, e sorrindo-lhe dirá: - Bem-aventurada servidora do Pai, fiel cocriadora com Ele.” (1)

Ao tempo de Jesus “(…) a mulher era tão subalterna que não se deveria saudá-la em público, apresentar-se fora do lar sem um membro da família acompanhando-a. Sem significado social e humano, era submetida à humilhação e à sujeição, às penalidades absurdas, sempre culpada pelos delitos aos quais fosse empurrada por criaturas inescrupulosas.” (1)

Foi justamente a partir da intervenção amorosa do Cristo na História da Humanidade que o papel social da mulher sofreu uma revolução, posicionado-as em pé de igualdade com os homens.

A mulher deixou de ser coadjuvante para ter maior autonomia, liberdade de expressão, novas possibilidades e responsabilidades. No mundo moderno elas não estão comprometidas apenas com as tarefas domésticas e cuidados com a família. Possuem maior grau de escolaridade, assumem poder econômico, atividades de comando, voz ativa na sociedade.

E para não deixar a ‘peteca cair’ ainda acumulam outras funções que culturalmente as pertencem. Cuidar da casa, do marido, dos filhos e suas atividades escolares, fazer compras, administrar o orçamento familiar, lidar com os auxiliares. Sorrir, ouvir, pacificar, atender, proteger, compreender… Administrar emoções é algo que se espera das mulheres e que desde cedo elas acostumam a fazer.

Todo este trabalho emocional em tempo integral pode se tornar extremamente exaustivo e transbordar para a vida afetiva e íntima da mulher. É então que ela se sente cansada, cobrada, frustrada. Paradoxalmente pode existir uma cobrança exacerbada por parte dela própria ou dos familiares. Quanto mais cansada se sente, mais acumula responsabilidades, que nem sempre são suas – ou somente suas.

É num contexto assim que pode nascer a dependência afetiva. Trata-se de um vínculo obsessivo com determinadas ideias, atividades, sentimentos; uma maneira de amar sem liberdade, sem identidade de si mesmo, negociando com os próprios princípios, de modo a acreditar que nada faz sentido na vida se não existe um vínculo permanente com a fonte desse apego.

Quando somos incapazes de renunciar a um desejo, situação, pessoa ou o que seja, mesmo sabendo que nos causa dano, estamos metidos até o pescoço no apego e a um passo da doença adicção.

Acostumada a se sentir indispensável, a mulher codependente tem uma falsa sensação de que vive bem, até que o esgotamento chega. A partir daí ela passa aos questionamentos, a olhar dentro de si e descobrir que está sendo submissa, que se deixou manipular, que diz sim quando quer dizer não, que definiu sua vida em função de outros.

“O amor resume toda a doutrina de Jesus, porque é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso realizado.” (2)

Ainda estamos a caminho da plenitude dos sentimentos que, em nossa jornada de Espíritos imortais, vão se construindo em níveis cada vez mais sublimados. Até aqui já passamos por várias formas de vivenciar o amor.

Mas nos manter no erro paralisa e compromete nossa evolução. A partir do momento que a disponibilidade emocional começa a doer é preciso analisar o que sentimos, sem classificá-lo em bom ou ruim. Reconhecer emoções e reações para daí agir, buscando o entendimento inicial que a felicidade e a estima devem ser sentidas primeiramente por si mesma.

Primordial aprendermos a nos querer, nos apreciar e desfrutar da própria companhia, para logo querer, apreciar e desfrutar da felicidade que sentimos em companhia dos outros. De outro modo, sempre usaremos o outro para nossos fins pessoais e permitindo que também nos usem para seus fins pessoais, de maneira que esse ciclo doentio e dependente nunca acabe.

A boa notícia é que a corrente pode sim ser rompida e desfeita, embora nem sempre seja fácil fazer uma análise verdadeira, profunda e tão dolorosa sozinhos. Nesse caso, a ajuda imparcial da psicoterapia é o primeiro passo para a busca da própria individualidade dentro das relações. Foi o recurso buscado por Gabriele Paschoalin. Ao ‘se dar atenção’ ela iniciou um processo de autoconhecimento e reforma interior.

Uma vez mais o Espiritismo vem nos consolar, orientar e esclarecer, nos dando os instrumentos necessários para lidar com a razão e o coração.

“Conhecereis a verdade e ela vos libertará.” (João 8:32.) “Conhecer, segundo a sentença evangélica, não se traduz como mera informação, mas assimilação de conhecimentos que favoreçam o combate às imperfeições.” (3) À medida que tomamos consciência da verdade, adquirimos a compreensão de nós, do outro e da vida. E isto é profundamente libertador.

É preciso aceitar a si mesmo, seus erros, seus fracassos, a sua baixa autoestima, aceitar tudo de bom que há em si e tudo o que não é bom assim. Quanto aceitarmos nossa condição de Espíritos em aprendizado e evolução, em determinado estágio da própria existência, não manteremos mais ilusões ao nosso respeito.

O trabalho de autoconhecimento leva ao entendimento sem culpas da necessidade de desligar-se emocionalmente para um equilíbrio nas relações. Isto nunca significará desamor, importante salientar; ainda mais porque a mente egoica, aquela que tem necessidade de se sentir valorizada e importante, tentará sabotar o processo, insuflando remorsos e outras ideias negativas.

“A Doutrina Espírita faz uma proposta: você é um ser imortal, despido da transitoriedade carnal. (…)Observe que a sua vida não encontra causalidade real no berço, nem terminará na injunção cadavérica. É nesse contexto que você está, no meio de duas experiências: a do passado e a do presente, vivendo hoje o que fez de si ontem, trabalhe agora porque você pretende ser alguém. Atenda esse real interesse pela transformação legítima de seus objetivos, pensando diariamente em si, amando-se. Porque se criou um conceito falso de amar ao próximo esquecido de como a si próprio se deve amar, de perdoar aos outros como a si próprio se deve perdoar.” (4)

Referências:

(1) Joanna de Ângelis, psicografia de Divaldo Franco, na sessão mediúnica da noite de 21 de outubro de 2015, no Centro Espírita Caminho da Redenção, Salvador;

(2) “O Evangelho segundo o Espiritismo”, cap. XI, item 8;

(3) FEB - EADE, Livro II – Ensinos e Parábolas de Jesus. Módulo II – Ensinos Diretos de Jesus;

(4) “S.O.S. Família”, psicografado por Divaldo Franco, ditado por Joanna de Ângelis e Espíritos diversos.

  • Valerie Nascimento é espírita e colaboradora do Espiritismo.net.