Por Mariana Gonzalez
“Corrigir um buraco na história”. Esse é o objetivo da livraria Gato Sem Rabo, a primeira do Brasil apenas com livros escritos por mulheres, que abrirá as portas nesta quarta (19), na Vila Buarque, região central de São Paulo. O espaço foi concebido por Johanna Stein, ex-modelo catarinense formada em artes visuais.
“As mulheres sempre escreveram muito, sobre diversos assuntos, mas estavam condenadas a obrigações sociais que as mantinham longe da produção literária. Nós conquistamos mais espaço, mas ainda existe um vazio, um buraco na história, e a gente precisa garantir que nenhuma mais seja deixada para fora das prateleiras das livrarias”, afirma Johanna a Universa dias antes da abertura da Gato Sem Rabo.
O nome faz menção a um ensaio de Virginia Woolf (1882-1941), em “Um Teto Todo Seu” (1929), que descreve a presença das mulheres na literatura como algo tão estranho quanto um gato sem rabo. Apesar de ter sido escrita há quase um século, a ideia permanece bem atual, já que, até 2014, mulheres eram apenas 30% das autoras dos livros impressos no Brasil, segundo um estudo da professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília.
Mas Johanna acredita que esse dado está mudando: “Existe um movimento impulsionado pelos leitores de demandar literaturas sob outras perspectivas, o que inclui não só mulheres, mas autores negros e que vivem no sul global.
A relação entre ela e os escritos de mulheres, como chama os livros, é antiga: “Fui buscando leituras de escritoras e pensadoras que eu pudesse considerar meus pares. Essa busca começou a partir do interesse de compreender o mundo pela perspectiva de outras mulheres, especialmente as que estão no sul global, como eu.
“Comecei a compilar esses livros sem saber muito bem o que ia virar, mas sempre com esse recorte do que estava sendo escrito por mulheres”, lembra. “Essa lista foi crescendo, poderia virar uma coleção, uma biblioteca, mas, por conta da nossa relação com o bairro, decidimos transformar em livraria.
A loja, localizada ao lado do Minhocão, promete ser “um espaço calmo, de pausa, mesmo numa rua tão movimentada”, a Amaral Gurgel. O local terá uma cafeteria e espaço para encontros quando a pandemia permitir aglomeração — até dia 29, os clientes não poderão “passear” entre os livros, apenas fazer pedidos no balcão ou por WhatsApp, com retirada no local, no formado conhecido como take away.
Por lá, leitoras e leitores vão encontrar obras de autoras dos mais diversos segmentos, do romance e da poesia à ciência política, passando também pelas áreas de exatas.
A ideia, ela conta, é que a livraria seja uma curadoria viva, ou seja, que o catálogo vá se transformando conforme “as urgências do presente e a importância do passado”. “Nossas livreiras estão sempre sugerindo novos temas, levantando assuntos quentes e descobrindo nomes que não ganharam a visibilidade que mereciam.”
Um time de quatro pessoas será responsável por tocar o dia a dia na Gato Sem Rabo: Johanna, duas livreiras e uma pessoa no financeiro.
A crise econômica em decorrência da pandemia de covid-19 — que está fazendo grandes redes de livrarias diminuírem consideravelmente de tamanho — não assusta a catarinense: para ela, esse é um momento de resistência dos pequenos negócios.
“Foi um período catastrófico para a economia, mas a gente vê aqui no bairro [Vila Buarque, no centro de São Paulo] um movimento de retomada dos pequenos negócios e de fortalecimento das livrarias de rua”, afirma. “Acreditamos que a experiência de comprar em uma livraria de rua é inalcançável: caminhar até lá, estabelecer conexão com o bairro, conversar com as livreiras, ouvir sugestões. Por mais que a gente esteja no centro da maior cidade do Brasil, a gente consegue manter uma vida de rua muito especial. Esse é o tipo de relação com a cidade que nós queremos.
De fato, na região em que a Gato Sem Rabo vai funcionar, há pelo menos outras três livrarias abertas, além de alguns cafés, salões de beleza e empórios, todos pequenos empreendimentos, com cara de comércio de bairro. Há, também, quatro faculdades que podem ajudar a movimentar o fluxo de leitores quando as aulas presenciais voltarem a acontecer.
Johanna indica três obras que gosta para clientes leitoras que querem conhecer novas autoras — um de poesia e dois de contos.
“A Teus Pés”, da Ana Cristina César;
“Um Exu em Nova York”, da Cidinha da Silva;
“A Fúria: e Outros Contos”, da Silvina Ocampo.
Notícia publicada na Universa , em 18 de maio de 2021
A presente notícia afirma acertadamente que a criação de uma livraria somente com autoras visa “corrigir um buraco na História”. Com efeito, durante séculos a mulher foi depreciada na História. Chegara-se a discutir na Idade Média, em um Concílio, se as mulheres teriam ou não teriam alma.
No entanto, no século XIX, período de advento do Espiritismo, “o progresso das luzes elevou o conceito da mulher” como bem afirmou Allan Kardec em um importante artigo publicado na Revista Espírita em 1886. O artigo intitulara-se “As mulheres tem alma? ”. Nesse texto, Kardec tentava responder a essa assustadora indagação que reinara até então nos círculos mais poderosos das religiões tradicionais e na sociedade. Segundo Kardec, no entanto, “pôr em dúvida a alma da mulher” hoje “seria ridículo” e a solução para essa assustadora afirmativa só poderia ser estabelecida, segundo o Codificador “se a igualdade de posição social entre o homem e mulher for um direito natural, uma vez que se “essa igualdade estiver na Natureza, seu reconhecimento será o resultado do progresso e, uma vez reconhecido, será imprescritível”. O que Kardec tentava dizer era que Deus não teria criado “almas masculinas e femininas, fazendo estas inferiores àquelas”. Se assim fosse, “a inferioridade da mulher estaria nos decretos divinos e nenhuma lei humana poderá transgredi-los. Tê-las-ia, ao contrário, criado iguais e semelhantes? Nesse caso as desigualdades, baseadas na ignorância e na força bruta, desaparecerão com o progresso e o reinado da justiça”.
Com efeito, não foi somente com base em seus próprios princípios que Kardec publicou essas ideias ainda tão avançadas para a época. Os próprios espíritos superiores, responsáveis por trazer o Espiritismo aos homens, que afirmaram no Livro dos Espíritos, a igualdade entre homens e mulheres no âmbito das leis divinas. As perguntas 817 a 822 desse importante livro codificado por Kardec trazem respostas muito claras dos espíritos sobre o assunto. Segundo eles, inferioridade moral da mulher em certas regiões ocorria devido ao domínio injusto e cruel que o homem exerceu sobre, o que consistia na consequência das instituições sociais e do abuso da força dos homens sobre as mulheres.
Hoje, a humanidade passa a lutar por essa igualdade e compreender o real papel da mulher. Afinal, ainda segundo o Livro dos Espíritos, “a lei humana, para ser justa, deve consagrar a igualdade de direitos entre o homem e a mulher; todo privilégio concedido a um ou a outro é contrário à justiça. A emancipação da mulher segue o progresso da civilização, sua escravização marcha com a barbárie. Os sexos, aliás, só existem na organização física, pois os Espíritos podem tomar um e outro não havendo diferenças entre eles a esse respeito. Por conseguinte, devem gozar dos mesmos direitos”.
*Alessandra Belo é colaboradora do Espiritismo.net, pós-graduada e professora de História da Rede Municipal de Praia Grande, em São Paulo.