“Quero que Deus apareça agora para mim! Por que ele não faz isso?! Acho que ele é um belo de um covarde, isso sim..”
“Mas que horror! Você está blasfemando! Não fale nem mais uma palavra ou desgraça maior vai cair sobre nós”. Em vão, a mãe tentava deter o filho em sua revolta.
“Estou me lixando para ele com todas as suas maldades! Não é poderoso? Pois que venha me enfrentar”.
Desnorteado, Daniel girava em torno de si mesmo como que tentando localizar Deus. Onde estaria aquele velho de barbas longas e brancas, sentado em um trono e, certamente, munido de uma poderosa lente que o permitia vigiar a todos… Se fazia o que queria, por que se escondia?
Na verdade, Daniel nunca se preocupara com Deus e seus feitos. A religiosidade de sua mãe, por vezes, até o incomodava. Mas, agora, sua namorada estava com câncer! Dezessete anos e com câncer! Diante de tão cruel diagnóstico, sentira seus sonhos, seus ideais e seus planos de futuro escoarem-se como a chuva pelo bueiro, perdendo-se nos subterrâneos imundos da vida. “Por que, Deus?! Por quê?! Que mal nós lhe fizemos?!” Gritou, desesperada e seguidamente, até que, finalmente, deixou-se cair nos braços da mãe, permitindo que as lágrimas abundantes falassem de sua dor. Sua mãe também chorava. Era impossível não fazê-lo. Queria consolá-lo, mas faltava-lhe argumentos. Ela, também, não sabia porque precisavam existir essas doenças tão terríveis.
O dia seguinte encontrou mãe e filho esgotados. Mal dormiram à noite. Daniel nem foi ao cursinho. Tampouco foi visitar a namorada no hospital. Faltavam-lhe forças. Mandou-lhe flores com um carinhoso bilhete que lhe dizia estar muito gripado. Sua mãe esperava que, aos poucos, ele reagisse. Entretanto, uma semana depois, ele estava na mesma. Deitado em sua cama, olhos fixos no pedaço do céu que o vidro da janela deixava entrever, ele só abria espaço para falar de sua revolta: “Tantos bandidos, tantos assassinos estão numa boa… Por que justo com alguém que nunca fez mal a ninguém vai acontecer isso? Eu acho que Deus se diverte vendo a galera sofrer… Só pode ser isso”.
Não era mais possível esperar. Daniel precisava de ajuda, concluíra a mãe, preocupada, apressando-se a conversar com a amiga e vizinha sobre o que estava se passando: “Você sabe que não sou espírita, mas sabe, também, como gosto de conversar com você sobre espiritismo. Acho tudo tão lógico, tão claro… Quem sabe você pode ajudar o Daniel com seu conhecimento?”
“Com todo prazer. Gosto muito do Daniel e me preocupo com sua saúde. Entretanto, antes, pergunte-lhe se gostaria de ‘bater esse papo’ comigo…”
Proposta aceita, a vizinha e amiga de muitos anos dirigiu-se ao quarto de Daniel. Surpreendeu-se com seu abatimento, mas tratou de não deixá-lo perceber: “E aí? Passando aperto, não é, querido?’”, disse, sentando-se na cadeira ao lado da cama.
“Aperto? Eu estou é com ódio de tudo, especialmente desse Deus, que não tem pena de ninguém; é um gozador que adora acabar com a alegria das pessoas. Você sabe o que aconteceu com a Ritinha, não sabe? Pois é… tem dezessete anos e está condenada à morte. É mole?!”
“Condenados à morte estamos todos…”
“Ah! Não me venha com retórica! Você sabe do que estou falando”.
“Sei, mas vim aqui para que você saiba do que eu estou falando e que não é retórica”.
“Tudo bem”. O rapaz queria respostas. Precisava delas e tratou de ouvir.
“Acontece que você está tendo uma visão distorcida de Deus. O que é muito comum, porque as religiões encarregadas de nos ensinar a entender Deus falharam nos seus objetivos. Resultado: homens do século XXI distraem-se com um Deus antropomórfico até que a dor lhes bate a porta do coração. Sem onde encontrar socorro, deixam-se levar pelo materialismo, como você está fazendo”.
“Diagnosticar é fácil”, debocha Daniel. “É como o câncer. Quero ver o tratamento e a cura…”, desfiava.
A amiga sorri e concorda para em seguida completar: “Com o espiritismo, porém, nós temos o ‘tratamento e a cura’ da alma, se quisermos. Eis que aprendemos que Deus não é o velho barbado feito à nossa imagem e semelhança. Com Kardec, sabemos que Ele é a inteligência suprema e causa primeira de todas as coisas. Além do mais, é eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom. Desta maneira, já deixamos de humanizá-lo, de materializá-lo”.
“Mas é muito difícil entender…”
“Garanto-lhe que não é”, continuava a amiga. “Talvez, por ser um enfoque diferente do que você se habituou a ter, a temer… Mas olhe em torno de si mesmo, pense na grandeza do Universo com todo o seu equilíbrio; pense na perfeição de um corpo humano e nas leis que o governam. Tudo é criação de Deus, são suas obras e que não podem ser confundidas com Ele. E, como ‘pela obra se conhece o obreiro’, você pode ter noção da grandeza de Deus”.
“Mas e a Ritinha?”, indagou Daniel, sentando-se na cama.
“Vou chegar lá… Disse-lhe das leis que regem o Universo, a natureza, o corpo humano… São leis criadas por Deus e desvendadas pelo Homem e estudadas na Física, na Química, na Biologia e em tantas outras ciências cada vez mais evoluídas. Entretanto, nós todos somos espíritos, lembra-nos o Espiritismo. Por isso, somos regidos também por leis espirituais, criadas por Deus. E adivinhe quem veio nos ensinar essas leis?”
“Kardec?”, perguntou Daniel.
A amiga sorriu de novo, completando: “Jesus”.
“Jesus veio ensinar leis? Ele não veio ensinar a rezar, a pagar os pecados?”
Mais risos. Desta vez bem intensos e a amiga continuou: “É para você ver como as coisas são diferentes do que muitos pensam. Jesus veio a mando do Pai, como ele mesmo repetiu, para ensinar as leis divinas aos seus irmãos mais novos. Como não aprendemos, Kardec foi encarregado de nos fazer recordar os ensinos do Mestre, o que se deu através do espiritismo”.
“Mas por que tem que existir doenças como o câncer?”
“Porque, como lhe disse, Deus criou leis espirituais que devem ser seguidas por todos nós, espíritos em evolução que vestem corpos físicos compatíveis com a atmosfera da Terra. Quando ignoramos essas leis, infringindo-as, tornamo-nos vulneráveis a sua ação, precisando ter novo contato com elas para que o aprendizado se dê. É como alguém que cai de uma grande altura e se machuca porque existe a lei da gravidade. A pessoa não pode dizer ‘Ah, mas eu não conhecia essa lei, Deus é injusto porque permitiu que me ferisse…’ Por isso, precisamos aprender com Jesus as leis divinas, pois ‘nenhuma folha cai da árvore sem que o Pai tome conhecimento’. E você acha que Deus fica com uma lente observando todas as folhas de todas as árvores durante toda a eternidade? Claro que não! Eis que Ele é o autor da lei que faz a folha cair da árvore quando seu caule já envelheceu e se deixa abater pelo vento, naturalmente. Assim, as doenças também são conseqüências naturais das necessidades evolutivas individuais. Quando todos estivermos em harmonia com as leis divinas, não haverá mais necessidade de que as doenças ou as dores de quaisquer matizes funcionem como o buril divino a lapidar-nos a alma milenar. Já estaremos aptos a viver num mundo de paz e felicidade”.
“Acho que compreendi… Mas o que eu faço com a Ritinha?”
“Dê-lhe carinho e forças para viver, ajudando-a a entender Deus com suas leis de amor e de justiça. Além do mais, a medicina avançou muito nos tratamentos de câncer e muitas pessoas, muitas mesmo, alcançam a cura, despertando para uma vida nova por trazer consigo por toda eternidade lições indescritíveis de aprendizados imorredouros. Agora vamos! Levante-se desta cama e vá construir seu futuro. Afinal, também é lei divina que ‘a cada um será dado segundo suas obras’. Vamos!”