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  • Coluna: Em dia com o mundo 04

Ante a pessoa que sofre, pelos preconceitos sociais, sensibilizemos pela dor do próximo e saibamos defender os seus direitos! Auxiliemos com nossos esforços de progresso sem entender que o nosso juízo é a expressão perfeita da verdade! A vida tem nos ensinado sempre e de maneira surpreendente.

A dor do próximo é menor?

Reflexões sobre a sexualidade.

Vivemos dias de intolerância. Não que seja novidade, é verdade. A incapacidade de suportar a diferença esteve presente em toda a história humana, mas com o progresso moral da sociedade tornou-se visível e clara, passando a incomodar muito mais pessoas.

Desde as noções gregárias, nas quais o indivíduo se confundia com sua sociedade, até o final do século XIX - já sob o influxo libertador das revoluções americana e francesa, o ideal de liberdade permaneceu latente e o indivíduo era visto como parte de uma organização social. Membro da sociedade, o cidadão precisava incorporar-se aos modelos e padrões de conduta aceitos para que pudesse usufruir do direito de sociedade. Exceções caracterizavam problemas e muitos indivíduos - alguns de notória expressão social - eram afastados ou punidos por suas excentricidades de conduta.

Mas chegou o século XX e como ele o conflito entre Veritas e Libertas, as deusas da verdade e da liberdade. De um lado os amantes de Apolo, buscando a salvação do ideal de tudo entender com a razão, que deveria entronizar a verdade única e eterna pelas vias do raciocínio ou da experiência, conforme as tradições positivistas De outro os herdeiros de Heráclito reconhecendo o movimento em tudo e defendendo que a mudança é o fundamento da liberdade, que não existem seres completos capazes de apreender a verdade imóvel e perfeita e que se deve transformar a Terra na morada das opiniões, para além da morada das doutrinas.

Crenças são ideias que assumimos em função dos valores que aceitamos. Opiniões são ideias que defendemos de modo argumentativo, pois temos razões para crer sejam elas verdadeiras. Dogmas são crenças ou opiniões que assumimos como verdades e deixamos de questioná-las, e é quando a verdade corre perigo em nosso universo íntimo de conhecimento. Ao pararmos de pensar sobre nossas ideias: “E se a realidade for diferente?”, corremos o risco de congelar nossa visão de mundo e de permitir que a realidade se estabeleça em nosso entendimento.

Mas isso foi um intróito. O ponto necessário em nossa conversa vem de um episódio delicado de preconceito contra famílias de formação alternativa onde um senador brasileiro foi agredido por sua opção de orientação sexual homoafetiva. E devemos nos perguntar: “Como o Espiritismo nos auxilia a ver o mundo e compreender a realidade?”

Tomando como base a Filosofia Espírita, encontramos em O Livro dos Espíritos [1] uma questão norteadora para o problema:

201. Em nossa existência, pode o Espírito que animou o corpo de um homem animar o de uma mulher e vice-versa?

“Decerto; são os mesmos os Espíritos que animam os homens e as mulheres.”

202. Quando errante, que prefere o Espírito; encarnar no corpo de um homem, ou no de uma mulher?

“Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são as provas por que haja de passar.”

Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem experiência. Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem os homens.

Analisando o assunto, em Vida e Sexo [2], o Espírito Emmanuel faz uma reflexão que deve ampliar o nosso entendimento sobre a homoafetividade:

Observada a ocorrência, mais com os preconceitos da sociedade, constituída na Terra pela maioria heterossexual, do que com as verdades simples da vida, essa mesma ocorrência vai crescendo de intensidade e de extensão, com o próprio desenvolvimento da Humanidade, e o mundo vê, na atualidade, em todos os países, extensas comunidades de irmãos em experiência dessa espécie, somando milhões de homens e mulheres, solicitando atenção e respeito, em pé de igualdade ao respeito e à atenção devidos às criaturas heterossexuais. A coletividade humana aprenderá, gradativamente, a compreender que os conceitos de normalidade e de anormalidade deixam a desejar quando se trate simplesmente de sinais morfológicos, para se erguerem como agentes mais elevados de definição da dignidade humana, de vez que a individualidade, em si, exalta a vida comunitária pelo próprio comportamento na sustentação do bem de todos ou a deprime pelo mal que causa com a parte que assume no jogo da delinquência.

Para um entendimento adequado do problema devemos conceituar de maneira adequada alguns entendimento relacionados ao assunto.

O primeiro aspecto diz respeito aos conceitos de identidade sexual e orientação sexual. Por identidade sexual compreende-se o modo como o indivíduo identifica-se. A orientação sexual define a opção de encontro afetivo para o qual se dirige a atenção da pessoa. Então temos, em listas não exaustivas, indivíduos de identidade sexual masculina, feminina, bivalente e neutra. E por orientação sexual encontramos a heteroafetiva, a homoafetiva, a bivalente e a neutra.

O Espiritismo nos esclarece que a expressão sexual tem origem no Espírito e caracteriza-se como força criadora do ser, capaz de realizar a reprodução biológica e também responsável pelas criações espirituais do intelecto e do sentimento .

Kardec (1) destaca na questão 200 de O Livro dos Espíritos que os sexos, em termos espirituais, não se conformam aos nossos entendimentos costumeiros pois fundamentam-se na concordância dos sentimentos, no amor e na simpatia mais do que na na organização das formas exteriores.

Sendo “os mesmos os Espíritos que animam os homens e as mulheres”, compreendemos que as experiências de masculinidade e feminilidade das expressões corporais nem sempre condizem com a identidade e a orientação sexual do indivíduo. Entretanto precisamos ter cuidado para não transformar os nossos dogmas de normalidade ou nossas opiniões sobre a sexualidade em fontes de sofrimento para as pessoas que convivem conosco e que têm atitudes que nos são alheias.

Muitos esperam do Espiritismo manifestações definitivas de apoio ou reprimenda a movimentos sociais de defesa das causas de identidade e orientação sexual. Contudo não cabe ao Espiritismo a transformação social (3). O Espiritismo é a doutrina libertadora que transforma o entendimento dos indivíduos e eles, amadurecidos moralmente, é que perfazem as mudanças que fazem progredir as sociedades (1).

É preciso ter atenção no sofrimento que causamos aos outros! Em vista de nossas ideias, nossas opiniões e dogmas é justo recordar a reflexão de Jesus diante da mulher adúltera - fonte de contendas ante a lei mosaica. O costume era de que qualquer contrariedade ao mandamento normativo do “Não adulterarás” deveria ser punido com a morte. Mas Jesus sensibiliza-se com a dor da adúltera e amplia o conceito de juízo em um conceito mais amplo que o estabelecido pela positividade da lei: “Quem estiver sem pecados atire a primeira pedra”. E não havendo exceções, todos deixaram a sala dos tesouros no templo de Jerusalém. Jesus dirigiu-se à mulher e lhe perguntou: “Onde então os que te acusavam?” E ante o olhar súplice da sofredora, acrescentou: “Também eu não te condeno.”

O fato é significativo para nossa reflexão: devemos respeito mesmo àqueles em quem o erro está patente. Qual não deve ser nossa postura ante as circunstâncias de dúvida, ou de claro preconceito de nossa parte?

Anatematizar os indivíduos por suas identidades ou orientações sexuais é faltar com o princípio de caridade, que nos recomenda benevolência, indulgência e perdão. Ajuizar a conduta do próximo no tribunal de nossa própria consciência é estender ao mundo uma verdade que ainda não consolidamos em nossa compreensão e entendimento.

Ante a pessoa que sofre, pelos preconceitos sociais, sensibilizemos pela dor do próximo e saibamos defender os seus direitos! Auxiliemos com nossos esforços de progresso sem entender que o nosso juízo é a expressão perfeita da verdade! A vida tem nos ensinado sempre e de maneira surpreendente. Espíritos em trânsito pela romagem evolutiva, entendendo que nosso juízo ainda não é expressão perfeita da verdade. Necessário nos façamos tolerantes e dispostos a progredir! E ante as melindrosas questões da sexualidade, tão inflamadas na sociedade contemporânea, que possamos refletir na sabedoria de Emmanuel (3):

  • […] à frente da vida eterna, os erros e acertos dos irmãos de qualquer procedência, nos domínios do sexo e do amor, são analisados pelo mesmo elevado gabarito de Justiça e Misericórdia. Isso porque todos os assuntos nessa área da evolução e da vida se especificam na intimidade da consciência de cada um.*

REFERÊNCIAS

  1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 76a. ed. Brasília: FEB, 1995.

  2. XAVIER, Francisco Cândido. Vida e Sexo. Pelo Espírito Emmanuel. 27a. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2015. Cap. 21.

  3. KARDEC, Allan. A Gênese os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 53a. ed. Brasília: FEB, 2013. Cap. XVIII.